segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Criação, destruição e hegemonia



Muitos estudos apontam para uma sucessão hegemônica dos Estados Unidos pela China. Rubens Ricúpero, na Folha de S. Paulo de hoje, apresenta uma visão interessante sobre o tema. O que sobre a uns e falta a outros:

Pode impressionar como sinal de mau agouro o desaparecimento de Steve Jobs justamente no momento em que mais se discute o suposto ou real declínio dos EUA. Se examinarmos, um por um, os fatores responsáveis pelo longo predomínio dos norte-americanos, a capacidade de invenção e inovação “da qual Jobs foi a encarnação viva” aparece não só como o mais indiscutível, mas também o mais difícil de emular e superar.
Li uma vez o artigo de um economista chinês que relativizava o êxito da China como “fábrica do mundo” e imbatível exportadora de manufaturas. O artigo lembrava que nenhum dos três produtos que haviam revolucionado o mercado nos anos recentes “’o iPhone, o iPod e o iPad”’ tinha sido inventado pelos chineses, embora a fabricação se fizesse na China devido ao custo.
Essas três novidades se devem à inventividade de Jobs, mas é óbvio que sua morte não esgota a capacidade de inventar e renovar que os EUA não cansam de demonstrar há mais de século e meio. O que me chama a atenção nos norte-americanos não é tanto o talento para as invenções mecânicas, a aplicação de avanços da ciência a máquinas e aparelhos que simplificam a vida cotidiana. Desse tipo de inventor, o símbolo maior foi, sem dúvida, Edison.
Há, porém, outro tipo de invenções, as intangíveis como foram, no passado medieval ou no começo da modernidade, a criação pelos italianos da letra de câmbio, do contrato de seguro marítimo, da contabilidade de partida dupla, dos bancos e mais tarde, pelos holandeses, da sociedade por ações.
Nessa área, os norte-americanos inovaram em quase tudo, a começar pelo comércio, que quase não havia mudado desde os tempos de fenícios e gregos. Começaram com as vendas por catálogo e reembolso postal, passaram para o supermercado, em seguida para o shopping center, o drive-in, as franquias, o fast food, só para ficar nesses exemplos.
Muito mais transformadoras e imateriais foram as invenções do cartão de crédito e do comércio e do caixa eletrônico. O que essas invenções trouxeram foi não só a modificação por meios mecânicos de atividades tradicionais como lavar e cozinhar. Aliadas às inovações no domínio da recreação e do relacionamento “a tevê, as redes sociais na internet”, elas na verdade recriaram a própria vida, a maneira como as pessoas empregam a maior parte do tempo e se relacionam.
Inovadores não convencionais, sem diploma, de gostos alternativos como Jobs são o produto de uma sociedade inquieta que continuamente se questiona e reinventa a si mesma. Sociedades hierarquizadas e autoritárias como a chinesa não possuem esse dom para inovar.
Enquanto predominava a destruição criadora (creative destruction), isto é, a inovação que destruía coisas antigas para dar lugar a novas e melhores, a superioridade norte-americana não corria perigo. Se ela agora está em jogo, é por causa da criação destruidora (destructive creation), a financeira, aniquiladora de riqueza e geradora de injustiça.
A ameaça à superioridade norte-americana não vem dos chineses, mas de dentro, de um modelo que dá mais poder e influência a lobistas corruptos e banqueiros destrutivos que a criadores como Jobs.

domingo, 23 de outubro de 2011

A encruzilhada do mensalão

Leiam com atenção a notícia trazida por Élio Gaspari neste domingo, 23/10/2011 na Folha de S.Paulo, sob o título "A encruzilhada do julgamento do 'mensalão'". É preocupante. 

Pelo menos uma pessoa suspeita que foi sondada para uma das vagas surgidas no Supremo Tribunal Federal e lhe perguntaram o que achava do processo do "mensalão". Essa esperteza é perigosa. Primeiro porque, revelada, avacalha o governo e a escolha. Além disso, muitas vezes não funciona. O convidado pode dizer uma coisa hoje e outra ao julgar o caso. A direita americana aprendeu isso em 1990, quando o presidente Bush Primeiro nomeou para a Corte Suprema o juiz David Souter, um solteirão solitário que só lia jornais aos domingos, tinha televisão em preto e branco e vinha avalizado pelos conservadores de New Hampshire. Souter desequilibraria a Corte em favor dos republicanos, mas deu-se o contrário. Ele ajudou a conter a ofensiva contra o direito das mulheres ao aborto e, em 2000, votou, com a minoria, contra a decisão que deu a Presidência dos Estados Unidos a Bush 2°. Um dia vai-se saber o tamanho de sua amargura. Souter ficou na cadeira por mais nove anos. Eleito Obama, renunciou, entregando a vaga a um presidente liberal. O ministro Joaquim Barbosa concluirá o relatório do "mensalão" ainda neste ano e, pelo andar da carruagem, o processo chegará ao final em 2012, tornando-se uma encruzilhada no calendário político. Casos esparsos de corrupção e manifestações de rua continuarão a pipocar, ao sabor das malfeitorias dos companheiros, mas, nos dias do julgamento, haverá gente na rua. Se entre os 11 juízes da ocasião houver magistrados colocados sob a suspeita de uma armação do comissariado, o governo e o Judiciário só terão a perder.

domingo, 16 de outubro de 2011

Os indignados de agora e de ontem - discurso de Naomi Klein


A Folha de S. Paulo publicou hoje, domingo, 16/10/2010, o discurso de Naomi Klein, ativista social e autora de "A doutrina do choque - A ascensão do capitalismo de desastre, comparando o movimento atual, especialmente o "Ocupe Wall Street" com o movimento do passado, principalmente o dos anos 1990. Muito interessante:

Uma coisa que sei é que 1% das pessoas amam as crises.

Quando o público está em pânico e desesperado, e ninguém parece saber o que fazer, o momento é ideal para forçar a aprovação de uma extensa lista de políticas que beneficiam as empresas: privatizar a educação e a Previdência Social, reduzir os serviços públicos, remover os últimos obstáculos ao poder das grandes companhias. Em meio à crise, isso vem acontecendo no mundo inteiro.

Só existe uma coisa capaz de bloquear essa tática, e felizmente é uma coisa muito grande: os outros 99% das pessoas. E esses 99% estão saindo às ruas, de Madison a Madri, para dizer: "Não, não pagaremos pela sua crise".

O slogan surgiu em 2008, na Itália. Ricocheteou para a Grécia, França e Irlanda, e por fim voltou. "Por que eles estão protestando?", indagam os sabichões embasbacados na televisão. Enquanto isso, o resto do mundo pergunta: "Por que demoraram tanto? Estávamos imaginando quando vocês enfim se dignariam a aparecer. Bem-vindos".

Muita gente traçou paralelos entre o movimento "Ocupe Wall Street" e os chamados protestos antiglobalização que conquistaram a atenção do planeta em 1999, em Seattle. Foi a última ocasião em que um movimento mundial, descentralizado e comandado por jovens tomou por alvo direto o poder das empresas. E me orgulho por ter participado daquilo que chamávamos "o movimento dos movimentos".Mas há diferenças importantes. Por exemplo, nós escolhemos como alvo conferências de cúpula: da Organização Mundial de Comércio (OMC), do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Grupo dos 8.

Mas esses eventos são transitórios por natureza, o que nos tornava igualmente transitórios. Aparecíamos, conquistávamos manchetes no mundo todo e em seguida desaparecíamos. E no frenesi e patriotismo excessivo que se seguiram aos ataques do 11 de Setembro, foi fácil nos varrer do cenário, ao menos nos Estados Unidos.Já o "Ocupe Wall Street" tem alvo fixo. E não definiu um prazo para sua presença, o que é sábio. Apenas quem se mantém firme pode criar raízes. E isso é crucial.

Na Era da Informação, muitos movimentos brotam como belas flores, mas logo morrem. Isso acontece porque não criam raízes e não têm planos de longo prazo para se sustentar.

Ser horizontal e profundamente democrático, é maravilhoso. Esses princípios são compatíveis com o árduo trabalho de construir estruturas e instituições firmes para suportar futuras tempestades. Tenho grande fé nisso.

Há mais uma coisa que esse movimento está fazendo direito: assumiu um compromisso para com a não violência. E essa imensa disciplina significou, em incontáveis ocasiões, que as reportagens da mídia tivessem por tema a brutalidade policial, injustificada e repugnante. Enquanto isso, o apoio ao movimento só cresce.


Mas a maior diferença que a década de distância entre os dois movimentos produziu é que, em 1999, nós estávamos atacando o capitalismo no pico de um boom frenético. O desemprego era baixo, as carteiras de ações propiciavam fortes lucros. A mídia estava embriagada pelo acesso fácil ao dinheiro. Então, todos preferiam falar mais sobre as empresas iniciantes de internet do que sobre os esforços para paralisar atividades reprováveis.


Nós insistíamos em que a desregulamentação que havia possibilitado aquele frenesi teria um custo. Que ela havia rebaixado os padrões trabalhistas. Que prejudicava o meio ambiente. As empresas se tornavam mais poderosas que os governos, e prejudicando nossas democracias.

Mas, para ser honesta, enfrentar um sistema econômico baseado em cobiça era uma parada indigesta enquanto as coisas iam bem, ao menos nos países ricos.Passados 10 anos, parecem não existir mais países ricos. Apenas muitas e muitas pessoas ricas. Pessoas que enriqueceram saqueando o patrimônio público e exaurindo os recursos naturais do planeta.

O ponto é que hoje todos podem ver que o sistema é profundamente injusto e está escapando ao controle. A cobiça descontrolada devastou a economia mundial, e está devastando o mundo natural.Estamos pescando demais em nossos oceanos, poluindo nossas águas com exploração petroleira e recorrendo às formas de energia mais sujas do planeta.

Esses são os fatos práticos. São tão gritantes, tão óbvios, que é muito mais fácil agora do que em 1999 promover conexão com o público, e assim expandir o movimento.Temos de tratar esse belo movimento como se fosse a coisa mais importante do mundo. Porque de fato é.

sábado, 15 de outubro de 2011

Indignados: Não no Brasil

Os árabes se indignam, os franceses se indignam, os ingleses se indignam, os espanhóis se indignam, os alemães se indignam, os gregos se indignam, os suíços se indignam, os italianos se indignam, os chilenos se indignam, até os americanos se indignam, só os brasileiros não conseguem se indignar... Que falta a nós que os outros têm?

Manifestações espalham-se por 82 países
Em vídeo