terça-feira, 31 de maio de 2011

Uma semana medieval e um Deus exilado

Semana difícil para o otimismo essa que passou. Quarenta anos de atraso em sete dias de infelicidade pública. Na Câmara, os representantes do povo assinaram em baixo do decreto de desmatamento. O poder econômico se impôs aos interesses ambientais. E com anistia aos poluidores.

O Brasil parece o país da anistia. Anistia aos que torturaram. Anistia frequente aos sonegadores. Anistia aos que violaram a proibição dos transgênicos. Anistia, agora, para quem desmatou. Nossa índole pacífica e o pendor gentil estarão por trás de tanto perdão?

A decisão dos deputados nos mostrou ainda outra face pouco elogiosa da vida política brasileira: não há base governista nem oposição que não se verguem às pressões do dinheiro ou, pensemos de forma mais nobre, aos apelos do progresso. Verdadeiros ou fingidos.

O obscurantismo da semana também deu as caras da violência pura, nua, medieval com o assassinato de lideranças de movimentos sociais. Foram, ao todo, três que sucumbiram à bala da bestialidade, do atraso, do nefasto.

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sábado, 28 de maio de 2011

O poder corrompe?

Um estudo recente realizado pela Columbia Business School procurou mostrar como o poder influencia as pessoas. Os pesquisadores realizaram duas simulações com os participantes. Em primeiro lugar, eles foram divididos em gerentes e subordinados, supostamente com base no resultado de um questionário de liderança, assumindo-se os respectivos papeis.

Logo após, submeteram-se a um novo teste. Foram informados de que havia uma nota de US$ 100 dentro de um livro. Foi-lhes dito que poderiam ficar com o dinheiro, se quisessem. Entretanto, eles deveriam tentar convencer um terceiro, desconhecedor da opção feita, de que não haviam pegado o dinheiro, embora tivessem sido autorizados a fazê-lo. Se os participantes obtivessem sucesso, ganhariam os US$100 e ainda concorreriam a obter mais US$ 500. O nível de cortisol, hormônio do estresse, foi medido em todos eles que, sem saberem, foram gravados durante toda a pesquisa.

Indagados, em seguida ao teste, todos afirmaram que mentir era errado. No entanto, apenas um grupo deles experimentou estresse emocional depois de mentir: os mentirosos que, na primeira simulação, ocuparam o papel de subordinados. Eles registraram picos de cortisol e sinais faciais de constrangimento. Os mentirosos que foram gerentes não tiveram mudança significativa nos níveis do hormônio nem mostraram sinais expressivos de aflição.

Os pesquisadores concluíram que o poder tende a neutralizar as reações negativas diante de comportamentos moralmente equívocos. Não é que o poder os corrompa, salientam. Apenas realça suas predisposições. Há outra conclusão extraída do estudo que precisa de confirmações adicionais, mas que é tão ou mais importante que a primeira: as pessoas que procuram o poder apresentam as características fisiológicas, talvez genéticas, que neutralizariam suas reações à adversidade. Em outras palavras: a ganância pelo poder é um indicativo de tampão moral. Será?

terça-feira, 17 de maio de 2011

As origens do pensamento politicamente correto

Algumas críticas feitas aos excessos dos comentários do deputado Jair Bolsonaro a respeitos da decisão do STF sobre união homoafetivas, despertam um temor quase instintivo, se não fosse também histórico: o pensamento de esquerda (sim, ainda há esquerda) é totalitário? Não necessariamente, respondo sem espaço e tempo bastante para justificar. As teses deliberativistas e discursivas me socorrem na omissão. Mas para não cometer uma contradição performativa, recorro aos que fazem daquele temor uma espécie de mantra. Alguma coisa têm a nos dizer. Sejamos tolerantes, puro ouvido, então.
Ali está William S. Lind que é um dos maiores defensores do pensamento conservador nos Estados Unidos. Um de seus artigos mais conhecido é “The origins of political correctness” [As origens do politicamente correto]. A ideia central do texto é a de que o discurso do politicamente correto teve origem na Escola de Frankfurt (EF), passando daí para o movimento estudantil e a academia dos Estados Unidos.
O marxismo cultural
A Escola de Frankfurt, fundada com o dinheiro de Felix Weil, filho de um milionário comerciante alemão, foi responsável por substituir a crítica econômica do marxismo pela crítica cultural, associando Marx e Freud. A teoria crítica, como foi chamado o trabalho a que se dedicaram os integrantes da Escola, procurou mostrar que a opressão e a desigualdade entre os seres humanos tinham raízes na cultura ocidental de dominação. A economia era um sintoma apenas.
A crítica cultural ganhou força com o exame das razões que levaram às falhas da previsão marxista de que a guerra, previsível no final do século XIX, uniria os proletários contra seus opressores nacionais. Na Primeira Guerra Mundial, deu-se o contrário. Os operários uniram-se aos burgueses em defesa de seus países. A alienação seria produto da cultura que os cegava dos fatores de dominação. Antonio Gramsci e Györg Lukacs foram os dois grandes nomes dessa crítica, a dizerem que a cultura ocidental impedia que os trabalhadores percebessem os seus verdadeiros interesses de classe.
A comparação entre marxismo econômico e marxismo cultural (fonte do politicamente correto) mostra similaridades, que autorizam vê-las como “ideologias totalitárias”:
  • O discurso politicamente correto, como sucede com o marxismo econômico, coisifica as pessoas de modo maniqueísta. Assim como no marxismo clássico, “os burgueses e donos de capital são maus, no marxismo cultural politicamente correto certos grupos também são bons – mulheres feministas (somente elas, mulheres não-feministas são tidas como inexistentes), negros, hispânicos, homossexuais. Esses grupos são escolhidos para serem ‘vítimas’ e, por isso, são automaticamente bons, não importa o que façam. Similarmente, machos brancos são automaticamente determinados para serem maus”.
  • A teleologia da história existe nas duas variantes, designadamente, a propriedade dos meios de produção para o marxismo clássico e a propriedade dos meios de poder social e político, para os culturalistas: “A economia marxista afirma que toda a história é determinada pela propriedade dos meios de produção. O marxismo cultural, ou politicamente correto, afirma que a história é determinada pelo poder, onde grupos são definidos em termos de raça, sexo, etc., e têm o poder sobre outros grupos. Nada mais importa”.
  • As duas ideologias teriam seu próprio método: a economia materialista no marxismo clássico e o desconstrutivismo no marxismo da cultura. “Para o marxista clássico, o método é a economia marxista. Para o marxista cultural, o método é o desconstrucionismo. Essencialmente, o desconstrucionismo remove todo o sentido de um texto e reinsere qualquer sentido desejado”. A obra de Shakespeare, por exemplo, é relida como a história da opressão das mulheres, assim como a Bíblia relata as posições de poder da raça e do sexo.
  • Há uma ocupação expropriante do espaço político pelas duas vertentes: “Quando os marxistas clássicos – os comunistas – tomaram o poder na Rússia, eles expropriaram a burguesia tomando suas propriedades. Do mesmo modo, quando marxistas culturais tomam um campus universitário, eles expropriam por meio de quotas de admissão. Quando um estudante branco mais qualificado tem a sua admissão negada em favor de um negro ou de um hispânico não tão qualificado, o estudante branco é expropriado”.
A migração da crítica da cultura para os Estados Unidos
Com a perseguição nazista, os autores de Frankfurt, de origem judaica, tiveram de fugir para os Estados Unidos. O primeiro grande abrigo foi a Columbia University. Depois, Hollywood. Alguns deles foram membros do governo estadunidense. Marcuse, por exemplo, ocupou um cargo de destaque na Office of Strategic Services ou OSS, precursora da CIA.
As ideias do grupo foram usadas pelos estudantes nos anos 1960 para resistirem à convocação militar e à Guerra do Vietnã. O movimento estudantil era hedonista, superficial e irresponsável, encontrando nas propostas supostamente libertárias dos frankturtianos a oportunidade de dar contornos intelectuais às suas pretensões (ou despretensões). Para Lind, Marcuse cunhou a frase "Faça amor, não faça a guerra." E fez a cabeça da academia e da New Left do país.
Os Estados Unidos viram crescer a simpatia ao discurso culturalmente emancipado, pelo menos na visão de seus defensores. Ecologia se misturou com a radical defesa das feministas, sob a influência dos frankfurtianos exilados. O discurso ecológico teve grande impulso com Max Horkheimer e sua crítica à tendência moderna de dominação da natureza.
O relativismo sexual teve suas principais fontes em Hebert Marcuse e Erich Fromm. A apropriação política da sexualidade mostrava uma história cheia de repressões dos sentidos e de dominação do gênero feminino. A emancipação do ser humano passava, então, pela liberação da sexualidade.
Na prática, os norte-americanos se tornaram reféns do medo de escorregar na linguagem e “de usar a palavra errada, a palavra tida como ofensiva, insensível, racista, machista ou homofóbica”.
Até que ponto Lind destila seus próprios preconceitos e fantasmas? Até que ponto nos faz refletir sobre eventuais excessos do politicamente correto? Será que toda esquerda é autoritária em seu discurso? Será que é possível ser inclusivista, sem cair na tentação totalitária? Já respondi que sim, é possível. Entretanto, é mais correto, politicamente correto, deixar o leitor pensar com a própria cabeça.

domingo, 15 de maio de 2011

O pensamento de Lacan

Lacan é nome essencial à desconstrução do sujeito moderno. Um sujeito à deriva, um lugar vazio. Ou quase. Segundo o autor francês, o real, o imaginário e o simbólico constituem o sujeito. O real é tudo que foge ou resiste à simbolização. É refratário à linguagem. Não pode ser dito ou representado (o real é o impossível), embora esteja sempre ali presente, sendo mediado pelo imaginário e pelo simbólico.
O imaginário é o processo de formação por meio do qual o sujeito identifica sua imagem como sendo o Eu, diferente do Outro e dos objetos (Estágio do Espelho). O Eu é, portanto, o resultado do Outro ou o "eu especular" que se reflete no espelho do Outro. É o imaginário como dimensão não linguística da psiquê que formula o conhecimento primitivo do Eu. O conhecimento mais elaborado é dado pela reflexão intersubjetiva, pela socialização e pela linguagem. O sujeito se desenvolve, portanto, com sua inserção na ordem simbólica e das normas que disciplinam as condutas humanas. A linguagem ou o simbólico é o meio de acesso à cultura.
Segundo Lacan, o inconsciente é a instância simbólica que se manifesta por meio dos sonhos, dos atos falhos e dos esquecimentos (o inconsciente é estruturado como uma linguagem). Todavia, não foge à lição freudiana de que o ser humano é regido pelas pulsões mais de que por instintos. As pulsões não têm objetos predefinidos nem atendem ao sistema de estímulo e resposta, típico dos animais que agem apelas pelos instintos.
Assista a vídeos que contam a história e a teoria de Lacan:

terça-feira, 3 de maio de 2011

A morte de Osama bin Laden foi legal?

Uma interessante postagem no blog jurídico do WSJ discute, inconclusivamente e apenas para fins "acadêmicos", a juridicidade da intervenção norte-americana para prender ou matar Osama bin Laden. Tão interessante quanto o posting, são os comentários que revelam o lado revanchista da medida. E a tradição do país, de matar o inimigo político. Em vez de submetê-lo ao devido processo.
Nem de longe nutro simpatia por práticas violentas. De um lado ou de outro. Pagou-se violência com violência bruta. Nem institucionalizada nem simbólica. Violência pura. Não há razões normativas no direito internacional para justificar a operação, curiosamente, chamada de "Gerônimo". A autodefesa não chega a ponto de autorizar que um Estado atue, sem respeitar a soberania de outro, sequer seu inimigo ou parte na contenda, como atuaram os Estados Unidos. Não tenho dúvidas, porém, que há muitas informações que desconhecemos. Como escreveu Jeb Rubenfield, ao criticar o unilateralismo estadunidense, o direito internacional diferencia jus ad bellum e jus in bello. Atenua-se a gravidade do ato: a morte de Osama pode ter sido ilegal, mas não criminosa. O futuro não é hoje. Espero que, para a saúde do direito, convençamo-nos de que se fez mesmo justiça. Com o direito.
Leia o posting de Ashby Jones:

Was the Strike on bin Laden’s Compound Legal?

The question in the title of this post is largely an academic one.

After all, bin Laden is dead. And pretty much the entire western world seems to think that the strike ordered by President Barack Obama against the al Qaeda leader was justified.

Nevertheless, call us crazy, but part of us would like assurance that what happened Sunday night was, in fact, in compliance with international law.

For a little help, we turn to this post over at the BLT Blog, which renders the verdict that, yes, the strike was most likely legal. According to the post:

John Bellinger III, who served as the State Department’s top lawyer during President George W. Bush’s second term, said the strike was on solid legal footing. Under domestic law, Bellinger said the strike falls in the “sweet spot” of the 2001 congressional authorization for the use of military force against al-Qaeda. Under international law, he said it’s justified by the United States’ right to defend itself and because of the ongoing armed conflict with al-Qaeda.

John Rasdan, a professor at William Mitchell College of Law and an assistant general counsel at the CIA from 2002 to 2004, agreed, saying that the administration might even be able to justify the move as a “legitimate act of self-defense.”Furthermore, a 1976 executive order that bans assassinations doesn’t apply here, experts said, because the United States is at war with al-Qaeda.

The 1976 order refers to “the kind of assassinations that the CIA attempted in ’60s and ’70s,” said Jeffrey Smith, an Arnold & Porter partner who was CIA general counsel in the mid-1990s. “Here, it’s fundamentally different. Here, Osama led a non-state actor group that had openly directed attacks against the United States.”

Over at the New Yorker, Jeffrey Toobin creates a headache-inducing counterfactual:

If [bin Laden] he had been taken into custody, what followed would have been the most complex and wrenching legal proceeding in American history. The difficulties would have been endless: military tribunal or criminal trial? Abroad—at Guantánamo?—or inside the United States? Would bin Laden have been granted access to the evidence against him? Who would represent him? What if he represented himself, and tried to use the trial as a propaganda platform? All those questions faded into irrelevance with bin Laden’s death on Sunday.

Toobin agrees that the strike was likely legal. Still, he cautions against starting the slide down the old slippery slope:

[I]t’s worth remembering what gave rise to the ban on assassinations. It is, to put it mildly, an easy power to abuse. Bin Laden didn’t get a trial and didn’t deserve one. But the number of people for whom that is true is small. At least it should be.