quarta-feira, 30 de junho de 2010

Os ciclos capitalistas segundo Arrighi

Giovanni Arrighi apresenta quatro ciclos de acumulação capitalista: a) a fase genovesa, b) a fase holandesa, c) a fase britânica e d) a fase norte-americana. A fase norte-americana entrou em crise, sendo sintomáticas a liberação do dólar do padrão ouro (acordos de Bretton Woods) e a derrota no Vietnã. Essa crise importa um momento importante de transformação na história do capitalismo. É interessante notar que a seqüência de ciclos sistêmicos de acumulação capitalista (a estrutura ou as leis de acumulação capitalista), na leitura de Arrighi, substituiu a noção de Marx sobre a luta de classes como instrumento de propulsor da história (p. 109 et seq).
Arrighi é alvo de críticas de autores como os que advogam uma concepção não-cíclica do capitalismo. A história não mostra uma repetição de ciclos bem identificáveis. E o momento atual é decisivo nesse sentido com o desenvolvimento do Império (rede de domínio decentrado e desterritorializado). Esse Império foi, na verdade, uma reestruturação do modo capitalista de produção para enfrentar a organização territorial do movimento proletário e anticapitalista (p. 239), destruindo qualquer projeto de continuidade histórica do capitalismo.

terça-feira, 29 de junho de 2010

A nova Constituição do Quirguistão

O Quirguistão aprovou sua nova Constituição após aprovação de referendo popular neste final de junho. O processo constituinte foi marcado por choques entre a maioria quirgue e a minoria uzbesque com a morte de centenas de pessoas.
O texto prevê um estado unitário, republicano e parlamentarista. O Legislativo (Jogorku Kenesh) é bicameral. O presidente da República é eleito para um mandato de 5 anos sem reeleição.
O Judiciário é composto pelo Tribunal Constitucional, pela Suprema Corte, pela Suprema Corte Econômica e pelas cortes locais (cortes regionais, cortes da cidade de Bishkek - capital-, cortes distritais e municipais, cortes econômicas regionais e da cidade de Bishkek - para jugalmento de disputas econômicas, baseadas nas diferentes formas de propriedade; além de tribunais militares). Os integrantes dos tribunais superiores são eleitos pela Casa Alta (Assembleia Representativa do Povo) com nomeação do presidente da República.
O TC, composto por membros eleitos para um mandato de 15 anos pela Assembleia Representativa do Povo após designação do presidente da República, tem competência de fiscalização da constitucionalidade das leis e das emendas constitucionais, bem como do efeito, da aplicação e da interpretação constitucionais; de validação das eleições do presidente da República; de julgamento de seus próprios membros e os dos tribunais superiores, e de autorização da persecução penal contra juízes locais. Controla ainda o processo de impeachment contra o presidente da República.
Os arts. 96 e 97 preveem o processo de emenda constitucional que pode ser iniciado pelo presidente da República, pela maioria dos parlamentares ou por 300 mil eleitores. A aprovação depende do voto de dois terços dos parlamentares, seguido de referendo popular.

Pensamentos Obtusos: Sobre o mal

OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS?
Não:
"Assim que o homem decide que todos os meios são permitidos para combater um mal, então seu bem se torna indistinguível do mal que ele começou a destruir." (Christopher Dawson)
"Nenhum homem é justificado em fazer o mal pelo fundamento da utilidade." (Theodore Roosevelt)
"Todas as preocupações dos homens vão mal quando eles resolvem curar o mal com o mal." (Sófocles. The Sons of Aleus)

Sim:

"Não há mal que não possa ser útil a alguém." (Romain Rolland)

"Penso que é indispensável fazer um grande mal momentâneo para que venha a ser possível um grande bem duradouro." (Jean-François Paul de Gondi)

Não dê ouvido ao mal, não fale mal ou sobre o mal - e você nunca será convidado para uma festa.” (Oscar Wilde)

A PASSIVIDADE E O MAL

"O mundo é perigoso não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa daqueles que veem e deixam o mal ser feito." (Albert Einstein)

"Quem passivamente aceita o mal com ele se envolve tanto quanto quem o ajuda a perpetrar. Quem aceita o mal sem protestar coopera efetivamente com a sua prática.” (Martin Luther King, Jr)

"Quem não pune o mal comanda a sua prática.” (Leonardo da Vinci)

"Tudo que é necessário para o triunfo do mal é que os homens bons não façam nada." (Edmund Burke)

A MUNDANIDADE DO MAL

"O inferno está vazio, porque todos os demônios estão aqui.” (William Shakespeare)

"O mal é espetacular e sempre humano, e divide a nossa cama e come em nossa própria mesa". (W.H. Auden. Herman Melville)

"A propagação do mal é o sintoma de um vácuo. O mal só vence diante da omissão: pela falha moral de quem foge do fato de que não pode haver compromissos sobre certos princípios básicos." (Ayn Rand. Capitalism: The Unknown Ideal)

"O mal é sempre possível. E a bondade é eternamente difícil". (Anne Rice. Interview with the Vampire).

"A natureza, em sua indiferença, não faz distinção entre o bem e o mal". (Anatole France. The Revolt of the Angels)

domingo, 27 de junho de 2010

Pretensões poéticas: Palavras

Penso palavras, escrevo palavras,
Digo palavras, sonho palavras
Quem vive palavras não tem sentimentos
Cerimônia sequer. Toda forma
O consome, todo sentido
O seduz. Quem vive palavras
Não tem sofrimento. Tudo é razão
Logos, cálculo de hipotenusa,
Todo quadrado de lados agudos
Somados. Quem se contém em palavras
Feito eu
Morre palavras. Nada mais.

Pensamentos obtusos: Liberdade segundo Russell

A liberdade é algo maravilhoso;
não quando a solidão for o preço que por ela se paga.
(Bertrand Russell)

Pensamentos obtusos: O aborrecimento segundo Russell

O aborrecimento é essencialmente um desejo frustrado de aventuras, não necessáriamente agradáveis, mas pelo menos de incidentes que permitam à vítima do tédio distinguir um dia dos outros dias. O oposto do aborrecimento é, numa palavra, não o prazer, mas sim a agitação.
(Bertrand Russell. A Conquista da Felicidade).

Pensamentos obtusos: Remédio para a aflição

Se estás aflito por alguma coisa externa, não é ela que te perturba, mas o juízo que dela fazes. E está em teu poder dissipar esse juízo. Mas se a dor provém da tua disposição interior, quem te impede de a corrigir? E se sofres particularmente por não estares a fazer algo que te parece certo, por que não ages, em vez de te lamentares? Um obstáculo insuperável te o impede? Não te aflijas, então, pois a causa de não o estares a fazer não depende de ti. Não vale a pena viver se não o puderes fazer? Parte, então, desta vida satisfeito, como partirias se tivesses logrado êxito no que pretendias fazer, mas sem cólera contra o que se te opôs. (Marco Aurélio. A Fortaleza Interior)

Pensamentos obtusos: Interpretação segundo Benjamim

O efeito de uma estrada campestre não é o mesmo quando se caminha por ela ou quando a sobrevoamos de avião. De igual modo, o efeito de um texto não é o mesmo quando ele é lido ou copiado. O passageiro do avião vê apenas como a estrada abre caminho pela paisagem, como ela se desenrola de acordo com o padrão do terreno adjacente. Somente aquele que percorre a estrada a pé se dá conta dos efeitos que ela produz e de como daquela mesma paisagem, que aos olhos de quem a sobrevoa não passa de um terreno indiferenciado, afloram distâncias, belvederes, clareiras, perspectivas a cada nova curva. (...). Apenas o texto copiado produz esse poderoso efeito na alma daquele que dele se ocupa, ao passo que o mero leitor jamais descobre os novos aspectos do seu ser profundo que são abertos pelo texto como uma estrada talhada na sua floresta interior, sempre a fechar-se atrás de si. Pois o leitor segue os movimentos de sua mente no voo livre do devaneio, ao passo que o copiador os submete ao seu comando. A prática chinesa de copiar livros era assim uma incomparável garantia de cultura literária, e a arte de fazer transcrições, uma chave para os enigmas da China.
(Walter Benjamin. Rua de mão única. Obras escolhidas II. Sao Paulo Brasiliense 2000).

Publicidade médica: O que pode e o que não pode

NÃO É PERMITIDO NA PUBLICIDADE MÉDICA

  • Conceder entrevista para autopromoção
  • Fornecer endereço e telefone de consultório ou clínica para angariar clientela por meio da imprensa
  • Abordar assunto médico de modo sensacionalista
  • Fazer consulta pela internet, por telefone ou por outros instrumentos de mídia
  • Expor imagens de paciente para divulgar técnica, método ou resultado de tratamento
  • Oferecer serviços por meio de consórcios ou similares
  • Dar ao paciente cupons de desconto
  • Participar de anúncios comerciais

É PERMITIDO NA PUBLICIDADE MÉDICA

  • Anunciar serviços de maneira discreta, informando nome, especialidade e número de registro em CRM
  • Conceder entrevistas a veículo de comunicação para esclarecer a sociedade
  • Usar imagens de tratamento em eventos científicos, quando imprescindível, mediante autorização expressa do paciente
  • Receber títulos ou homenagens de entidades reconhecidas pela sociedade

Fontes: FSP, 27/6/2010, p. C5.

O que pode e o que não pode na publicidade médica

Pensamentos obtusos: Ateísmo segundo Santayana

Meu ateísmo, como o de Spinoza, é a verdadeira piedade para com o universo e somente renega os deuses moldados pelos homens à sua própria imagem para serem servos dos seus interesses humanos. (George Santayana).

Belos Poemas: Poema XX

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Escribir, por ejemplo: "La noche está estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos."
El viento de la noche gira en el cielo y canta.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.
En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.
Ella me quiso, a veces yo también la quería.
¡Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos!
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.
Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.
¡Qué importa que mi amor no pudiera guardarla!
La noche está estrellada y ella no está conmigo.
Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.
Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.
La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.
Yo no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise..
Mi voz buscaba al viento para tocar su oído.
De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.
Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.
Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.
Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo.

Jürgen Habermas sobre a democracia deliberativa

Jürgen Habermas: palestra sobre direito internacional

Assista à palestra de Habermas, proferida na Purdue University, sobre os desafios do realismo político para o idealismo kantiano sobre a justiça e igualdade num mundo globalizado.

Militarismo e democracia

Muito bom o artigo de Ricardo Bonalume Neto, publicado na FSP de 27/6/2010, sob o título "Militarismo e democracia não combinam". Veja um trecho:
Os Estados Unidos da América se tornaram independentes após dura guerra de libertação. Mas seus "pais da pátria" morriam de medo dos líderes militares estarem interessados em tomar o poder. Tiveram sorte com George Washington, que ganhou a guerra e era um general e político eficiente sem sonhos de virar um Napoleão. Os países ao Sul, ao contrário, tiveram longas e desgastantes intervenções militares na sua governança.
Outro período difícil nos EUA foi a Guerra Civil. Mais uma vez surge o risco do militarismo. O presidente Abraham Lincoln driblou problemas políticos, mas tinha dificuldade de achar bons generais. Achou alguns poucos bons, um dos quais -Ulysses Grant- terminou também virando presidente depois.
O medo americano do militarismo fica claro ao se ver o tamanho do Exército comparado ao da Marinha. Na guerras mundiais, a Marinha era uma das maiores do planeta; o Exército estava longe disso. O mesmo acontecia na "pátria-mãe": o Reino Unido tinha então a maior Marinha do planeta e um Exército de parada. Bonito de ver, por sinal, pois, se havia uma Marinha Real, não havia "Exército Real"; reais eram os regimentos, e cada um usava o uniforme de que gostava...
Na Guerra da Coreia, o presidente americano Harry Truman teve de tirar do cargo um general de proporções míticas, Douglas MacArthur, também por insubordinação. Mas como um presidente "comandante em chefe", em geral ignorante de assuntos militares, pode comandar as Forças Armadas? Para isso ele depende do conselho dos militares; mas a decisão política é sua. Voltando às guerras deste século: a maioria não é "convencional", é "assimétrica". Ou seja, mais política que militar.
O general David Petraeus, um dos mais brilhantes da geração, percebeu o óbvio: você não ganha de insurgentes com poder de fogo, e sim protegendo a população. Foi ele quem reescreveu o manual do Exército de anti-insurgência, algo em que não se mexia desde a clássica derrota no gênero, no Vietnã. Resumindo: o fundamental é proteger a população e livrá-la do contato com "bandidos", seja numa favela em Bagdá ou no Rio ou no Haiti, ou na zona rural do Afeganistão. O Brasil tem bom currículo, como já havia demonstrado a eficiente derrota dos guerrilheiros no Araguaia.
Vai dar certo no Afeganistão? Difícil dizer. Os britânicos venceram na Irlanda do Norte com paciência (uns 30 anos!), sem força excessiva, tentando respeitar a lei. Os sírios também venceram com estratégia oposta na cidade de Hama, em 1982: bombardeando e matando.
Claro, essa não é uma opção para uma democracia.

Melhores escolas de direito constitucional nos Estados Unidos

De acordo com o professor Brian Leiter, da University of Texas, as melhores escolas de direito constitucional nos Estados são, pela ordem:
1. Yale University, 4.8
2. Harvard University, 4.6
3. University of Chicago e University of Texas, Austin, 4.5
5. Georgetown University, New York University e Stanford University, 4.4
8. Columbia University e University of California, Berkeley, 4.3
10. University of Virginia, 4.0
11. Northwestern University, University of California, Los Angeles e University of Michigan, Ann Arbor, 3.9
14. Duke University e University of Southern California, 3.8
16. University of Pennsylvania, 3.7
17. Boston University e Cornell University, George Washington University 3.6 University of San Diego e Vanderbilt University, 3.6
Em geral, as melhores "escolas academias" são:
1. Yale University;
2. Harvard University; Stanford University;
4. University of Chicago; University of Michigan, Ann Arbor;
6. Columbia University; University of California, Berkeley; University of Virginia;
9. New York University;
10. Cornell University; Duke University; Georgetown University; University of Pennsylvania; University of Texas, Austin

sábado, 26 de junho de 2010

Pensamentos obtusos: A linguagem segundo Mann

A linguagem é a própria civilização. A palavra, mesmo a mais contraditória palavra, nos matém juntos - é o silêncio que [nos] separa. The Magic Mountain. Trad. John E. Woods.New York: A. Knopf, 1995, p. 613

Derrida e Debray: um debate

Assista ao debate entre Derrida e Debray.

Novo livro de Ronald Dworkin: Justiça para Ouriços

A academia está ouriçada à espera do novo livro de Dworkin, a ser publicado pela Belknap Press of Harvard University Press, em janeiro de 2011: Justice for Hedgehogs. No livro, Dworkin defende a unidade de valor contra a "várias causas folclóricas": o ceticismo, o valor do pluralismo de valores, os conflitos de valor, e, em particular, a suposta oposição entre os valores de auto-interesse e da moralidade pessoal e política. O filósofo defende a integração da ética (dos princípios que orientam os seres humanos como viver bem) e da moral (os princípios que os orientam como devem tratar as outras pessoas), e por uma moral de autoafirmação, contra uma moral de autoabnegação. Ou entre as condições indispensáveis de viver bem - dignidade, autorrespeito e da autenticidade - e os nossos deveres morais para com os outros. Ele também argumenta que o direito é um ramo da moralidade política que por sua vez é espécie da moralidade mais amplamente compreendida.

Conselho Constitucional Francês: Questão Prioritária de Constitucionalidade

A Question Prioritaire de Constitutionnalité (QPC) foi introduzida pelo art. 61-1 da Constituição, adotado pela revisão constitucional de 23/7/2008: «Lorsque, à l'occasion d'une instance en cours devant une juridiction, il est soutenu qu'une disposition législative porte atteinte aux droits et libertés que la Constitution garantit, le Conseil constitutionnel peut être saisi de cette question sur renvoi du Conseil d'Etat ou de la Cour de cassation». Esse artigo foi disciplinado pela Lei Orgânica n. 1523, de 10/12/2009 e entrou em vigor no dia 1/3/2010.
Trata-se como vemos de uma espécie de incidente de inconstitucionalidade, por ofensa aos direitos fundamentais, provocado pelo Conselho de Estado ou pela Corte de Cassação. Seus requisitos são: a) suscitação por uma das partes no curso de um recurso de apelo; b) dúvida manifesta sobre a constitucionalidade da norma aplicável; c) não haver manifestação anterior do Conselho no sentido da constitucionalidade da norma, salvo mudanças das circunstãncias. Recebida a QPC, o Conselho Constitucional abre prazo para que as partes apresentem seus argumentos, devendo decidir em até três meses.
Nem bem entrou em vigor, a QPC foi desafiada pela Corte de Cassação, submetendo-a a um controle de comunitariedade perante o Tribunal de Justiça Europeia.

Suicídio assistido na Alemanha

Deu na FSP de 26/6/2010 Numa decisão histórica, o mais alto tribunal alemão determinou ontem que desativar o equipamento que mantém vivo um paciente terminal não constitui crime. O tribunal reverteu a condenação de um advogado que no ano passado fora considerado culpado de tentativa de homicídio por aconselhar uma cliente a cortar o tubo intravenoso de alimentação que mantinha viva sua mãe, ainda que em estado vegetativo persistente. A mãe havia dito à filha que não desejava ser mantida viva por meios artificiais. Na decisão, a corte estabeleceu clara distinção entre "matar com a intenção de pôr fim à vida" e uma ação "que permita a um paciente morrer sob seu consentimento".
O advogado cuja condenação foi revertida, Wolfgang Putz, classificou a decisão como "excelente". "Ela protege contra abusos e estabelece fronteiras claras. Ajuda os pacientes e os médicos", disse Putz. Vem havendo debate crescente na Europa quanto ao suicídio assistido, especialmente no Reino Unido. Em fevereiro, o documentarista britânico Ray Gosling foi detido após admitir ter ajudado a matar um ex-amante. A eutanásia com o consentimento do paciente é legal em alguns países europeus, como Bélgica e Suíça. Alemães têm viajado à Suíça para morrer há anos. Mas a questão é especialmente complicada na Alemanha porque os nazistas empregaram o termo como camuflagem para um programa de extermínio em massa de pessoas deficientes. "O veredicto transmite um sinal fatal que não respeita o direito fundamental das pessoas criticamente doentes à autodeterminação e cuidados médicos", afirmou Eugen Brysch, diretor de uma associação médica alemã.
Brysch reprova especialmente o fato de que a paciente em questão tenha expresso seu desejo verbalmente, e não por escrito. "Se, nesse caso, uma conversa privada sem testemunhas suficientes basta para determinar os desejos da paciente, estamos abrindo as portas a grandes abusos", disse Brysch. Mas a ministra alemã da Justiça, Sabine Leutheusser-Schnarrenberger, aplaudiu a decisão do tribunal superior. "Em uma fase difícil da vida, os testamentos dos pacientes oferecem segurança a pacientes, parentes, médicos e enfermeiros. Um testamento formulado livremente por um ser humano deve ser respeitado em todas as circunstâncias da vida", disse.
No caso sob julgamento, a paciente Erika Küllmer estava em estado vegetativo persistente há cinco anos, depois de sofrer uma hemorragia cerebral em 2002. A administração da casa de repouso em que vivia se recusou a permitir que os aparelhos fossem desligados. Putz, advogado dos filhos de Küllmer, aconselhou sua cliente a cortar o tubo de alimentação em 2007, o que ela fez. A paciente morreu de insuficiência cardíaca dentro de duas semanas. Em abril de 2009, um tribunal de primeira instância em Fulda sentenciou Putz a nove meses de prisão por tentativa de homicídio. A filha foi considerada inocente. "Para mim esteve sempre claro que agi do modo certo", disse Elke Gloor, a filha de Küllmer, à agência de notícias alemã DPA, depois do anúncio do veredicto. "Minha mãe já não pode se beneficiar dessa decisão, mas de agora em diante todos os demais pacientes poderão."

terça-feira, 22 de junho de 2010

Paraísos da liberdade de expressão

Algumas legislações estão adotando leis que ampliam a liberdade de expressão e imprensa, criando verdadeiros "paraísos de liberdade de expressão". São exemplos uma recente lei do Estado de Nova York que impede a aplicação de julgamentos tomados pelo Reino Unido, restringindo a liberdade de imprensa, a lei belga de 2005 de proteção às comunicações dos jornalistas e suas fontes, bem como a Lei Constitucional Sueca sobre Liberdade de Imprensa. Também está em exame da Islândia uma lei que reforça o sistema de liberdade de comunicação. No caso "Cicero", julgado em 2007, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha voltou a reforçar essa liberdade.
Em contrapartida, jornalistas têm sido obrigados judicialmente a revelar suas fontes nos Estados Unidos. Alguns foram presos por se recusarem a fazê-lo. Em diversos outros países, conforme levantamento feito pela OCDE, a moda pegou. Embora, em nenhum se tenha dado condenação. No máximo, detenções provisórias. O que é, de toda forma, grave. A justificativa é, em regra, dada pela segurança nacional ou interesse público. Perigosas cláusulas abertas que comprometem a democracia.

Chips de Identificação Veicular e Intimidade

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizará no Supremo Tribunal Federal (STF) Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) para contestar a validade da Resolução n. 212/2006, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que instituiu o Sistema Nacional de Identificação de Veículos (Siniav). A instalação obrigatória de chips de identificação em todos os veículos em circulação no País, permitindo conhecer a exata localização do veículo, fere o direito fundamental à intimidade (art. 5º, X, CRFB).

Suprema Corte dos Estados Unidos: Ensino do Direito Internacional Pode ser Atentatório à Segurança Nacional

A demasiada abertura de normas restritivas de direitos fundamentais deve ser evitada e, se existente, declarada inconstitucional. A Suprema Corte dos EUA tem sido tolerante em vista do Patrioct Act (PA). Por se tratar de tema relacionado à segurança nacional, haveria uma franquia maior à discricionariedade legislativa. Chegou-se, em Holder v. Humanitarian Law Project, em 21/6/2010, a negar a inconstitucionalidade da aplicação do P.A. para proibir o ensino do direito internacional como instrumento de solução pacífica das controvérsias entre os países.

Prática Jurídica - um conceito quase legal

A Lei n. 12269/2010 definiu "prática jurídica" para fins de ingresso nas carreiras jurídicas no âmbito do Executivo Federal: "Considera-se prática forense, para fins de ingresso em cargos públicos privativos de Bacharel em Direito, no âmbito do Poder Executivo, o exercício de atividades práticas desempenhadas na vida forense, relacionadas às ciências jurídicas, inclusive as atividades desenvolvidas como estudante de curso de Direito cumprindo estágio regular e supervisionado, como advogado, magistrado, membro do Ministério Público ou da Defensoria Pública, ou servidor do judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública com atividades, ao menos parcialmente, jurídicas." (art. 30).
O conceito é amplo. O CNJ e o CNMP adotam uma definição mais restrita:

Dispõe a Resolução 40 do CNMP: Art. 1º Considera-se atividade jurídica, desempenhada exclusivamente após a conclusão do curso de bacharelado em Direito: I – O efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, com a participação anual mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado (Lei nº 8.906, de 4 Julho de 1994), em causas ou questões distintas. II – O exercício de cargo, emprego ou função, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos. III – O exercício de função de conciliador em tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, assim como o exercício de mediação ou de arbitragem na composição de litígios, pelo período mínimo de 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano. § 1º É vedada, para efeito de comprovação de atividade jurídica, a contagem de tempo de estágio ou de qualquer outra atividade anterior à conclusão do curso de bacharelado em Direito. § 2º A comprovação do tempo de atividade jurídica relativa a cargos, empregos ou funções não privativas de bacharel em Direito será realizada por meio da apresentação de certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimentos jurídicos, cabendo à comissão de concurso analisar a pertinência do documento e reconhecer sua validade em decisão fundamentada. Art. 2º Também serão considerados atividade jurídica, desde que integralmente concluídos com aprovação, os cursos de pós-graduação em Direito ministrados pelas Escolas do Ministério Público, da Magistratura e da Ordem dos Advogados do Brasil, bem como os cursos de pós-graduação reconhecidos, autorizados ou supervisionados pelo Ministério da Educação ou pelo órgão competente. § 1º Os cursos referidos no caput deste artigo deverão ser presenciais, com toda a carga horária cumprida após a conclusão do curso de bacharelado em Direito, não se admitindo, no cômputo da atividade jurídica, a concomitância de cursos nem de atividade jurídica de outra natureza. §2º Os cursos lato sensu compreendidos no caput deste artigo deverão ter, no mínimo, um ano de duração e carga horária total de 360 horas-aulas, distribuídas semanalmente. §3º Independente do tempo de duração superior, serão computados como prática jurídica: a) Um ano para pós-graduação lato sensu. b) Dois anos para Mestrado. c) Três anos para Doutorado. §4º Os cursos de pós-graduação (lato sensu ou stricto sensu) que exigirem apresentação de trabalho monográfico final serão considerados integralmente concluídos na data da respectiva aprovação desse trabalho. §5º Os casos omissos serão decididos pela comissão de concurso.

Semelhante é o que dispõe o art. 59 da Resolução 75/2009 do CNJ.

O tema está longe de ser pacífico. O conceito deve variar de acordo com a finalidade e o conteúdo do cargo.

domingo, 20 de junho de 2010

Pensamentos Obtusos: Dinheiro

Finanças é a arte de passar dinheiro de mão em mão até finalmente desaparecer (Robert W. Sarnoff).
O dinheiro não pode comprar amigos, mas ele pode lhe dar a melhor espécie de inimigos (Spike Milligan).
Quando um homem diz: 'O dinheiro compra tudo', a coisa fica clara: ele não tem dinheiro (Ed Howe).
O dinheiro é um bom servo e um péssimo amo (Alexandre Dumas).
O dinheiro é bom servidor e mau senhor (Dominique Bouhours).
As pessoas dividem-se entre aquelas que poupam como se vivessem para sempre e aquelas que gastam como se fossem morrer amanhã (Aristóteles).
O dinheiro é uma nova forma de escravidão impessoal que substituiu a antiga escravidão pessoal (Léon Tolstoi).
O dinheiro dá tudo o que aos outros parece felicidade (Henri Régnier).
O dinheiro que temos é o instrumento da liberdade; aquele de que andamos atrás é instrumento de servidão (Jean Jacques Rousseau).
Por detrás de uma grande fortuna há um crime (Honoré de Balzac).
É muito bom ter dinheiro e as coisas que ele pode comprar, mas é bom também se certificar de que não se estão perdendo coisas que o dinheiro não pode comprar (George Lorimer).
Não me diga quais são as suas prioridades. Apenas me mostre com que gasta o seu dinheiro e eu direi quais são elas (James W. Frick).
Não acredites nem nos que pedem emprestado, nem nos que emprestam; porque muitas vezes, perde-se o dinheiro e o amigo ... e o empréstimo (William Shakespeare).
$$$
O dinheiro não pode fazer com que sejamos felizes; mas é a única coisa que nos compensa do fato de não o sermos (Jacinto Benavente y Martinez).
Dinheiro, se não lhe traz felicidade, pelo menos lhe ajudará a ser miserável no conforto (Helen Gurley Brown).
O dinheiro não dá felicidade. Mas paga tudo o que ela gasta (Millôr Fernandes).
Dinheiro é como um sexto sentido - e você não pode fazer uso dos outros cinco sem ele (William Somerset Maugham).
Um homem sábio deve ter dinheiro na cabeça, não no coração (Jonathan Swift).
Quem ama o dinheiro, dele não se farta (Eclesiastes 5,9).
Muitos sabem ganhar dinheiro, mas poucos sabem gastá-lo (Henry Thoreau).
Um tostão economizado é um tostão ganho (Benjamin Franklin).
Meu problema é conciliar meus hábitos brutos com minha receita líquida (Errol Flynn).
Os homens esquecem mais rapidamente a morte do pai do que a perda do patrimônio (Nicolau Maquiavel).
Disseram que o amor pelo dinheiro é a raiz de todos os males. O mesmo se pode dizer da falta dele (Samuel Butler).
Para se desprezar o dinheiro é preciso justamente tê-lo, e muito (Cesare Pavese).
O dinheiro não só fala, como faz muita gente calar a boca (Millôr Fernandes).

sábado, 19 de junho de 2010

Saramago: Adeus

Foi sem adeus. Mas para que dizer adeus? Apenas o corpo frágil do homem pereceu. A imortalidade, longe dos roupões da Academia, está na capacidade de se eternizar no texto e deixar-se nos genes incompreensíveis da memória. A influenciar jeitos, gestos e letras. A vida simplesmente se repete entre a realidade e a ficção. Às vezes, era insidiosamente bíblico: A pena pior, minha filha, não é a que se sente no momento, é a que se vai sentir depois, quando já não houver remédio, Diz-se que o tempo tudo cura, Não vivemos bastante para tirar-lhe a prova (A Caverna). E atual: Cegueira também é isto, viver num mundo onde se tenha acabado a esperança (Ensaio sobre a Cegueira). Como se justificasse a sua passagem sem despedida, escreveu: o trabalho que deixou de ser o que havia sido, e nós, que só podemos ser o que fomos, de repente percebemos que já não somos necessários no mundo (A Caverna). Um cético em vista dos políticos: Há sempre um zarolho ou um esperto que nos governa. Um cético em relação às religiões: As religiões, todas elas, por mais voltas que lhes dermos, não têm outra justificação para existir que não seja a morte, precisam dela como do pão para a boca. (...) Tem razão, senhor filósofo, é para isso mesmo que nós existimos, para que as pessoas levem toda a vida com o medo pendurado ao pescoço e, chegada a sua hora, acolham a morte como uma libertação, (...) Não foi o que nos habituaram a ouvir, Algo teriamos que dizer para tornar atractiva a mercadoria, Isso quer dizer que em realidade não acreditam na vida eterna, Fazemos de conta (As Intermitências da Morte). Um cético para a verdade: Homem, não tenhas medo, a escuridão em que estás metido aqui não é maior do que a que existe dentro do teu corpo, são duas escuridões separadas por uma pele, aposto que nunca tinhas pensado nisto, tranpostas todo o tempo de um lado para outro uma escuridão (...), meu caro, tens de aprender a viver com a escuridão de fora como aprendeste a viver com a escuridão de dentro (As Intermitências da Morte). Mas era ainda m otimista em relação à emancipação humana: Nem a arte nem a literatura têm de nos dar lições de moral. Somos nós que temos de nos salvar, e isso só é possível com uma postura de cidadania ética, ainda que isto possa soar antigo e anacrónico
José de Sousa Saramago (Azinhaga, 16 de Novembro de 1922 — Lanzarote, 18 de Junho de 2010)

Romances Terra do Pecado, 1947 Manual de Pintura e Caligrafia, 1977 Levantado do Chão, 1980 Memorial do Convento, 1982 O Ano da Morte de Ricardo Reis, 1984 A Jangada de Pedra, 1986 História do Cerco de Lisboa, 1989 O Evangelho Segundo Jesus Cristo, 1991 Ensaio Sobre a Cegueira, 1995 Todos os Nomes, 1997 A Caverna, 2000 O Homem Duplicado, 2002 Ensaio Sobre a Lucidez, 2004 As Intermitências da Morte, 2005 A Viagem do Elefante, 2008 Caim, 2009 Peças teatrais: A Noite/Que Farei com Este Livro?/A Segunda Vida de Francisco de Assis/In Nomine Dei/Don Giovanni ou O Dissoluto Absolvido Contos: Objecto Quase, 1978/Poética dos Cinco Sentidos - O Ouvido, 1979/O Conto da Ilha Desconhecida, 1997 Poemas:Os Poemas Possíveis, 1966/Provavelmente Alegria, 1970/O Ano de 1993, 1975 Crónicas:Deste Mundo e do Outro, 1971/A Bagagem do Viajante, 1973/As Opiniões que o DL Teve, 1974/Os Apontamentos, 1977 Diário e Memórias:Cadernos de Lanzarote (I-V), 1994/As Pequenas Memórias, 2006 Infantil: A Maior Flor do Mundo, 2001

terça-feira, 15 de junho de 2010

Ficha Limpa, consciência tranquila

Time is more valuable than money. You can get more money, but you cannot get more time (Jim. Rohn).

Enfim, veio à luz jurídica (terrível metáfora) a Lei da Ficha Limpa (LFL), Lei Complementar 135/2010. Não é realmente a lei dos sonhos republicanos, mas é uma boa promessa de futuro. O projeto da LFL foi de iniciativa do povo, tendo sido aprovada às pressas pelo Congresso Nacional por pressão da sociedade civil. Claro que à custa de algumas modificações. O texto original previa, por exemplo, a condenação em primeira instância para impedir a candidatura a cargos eletivos. A Câmara aprovou emenda que passou a exigir decisão de órgão colegiado. Vale dizer, tribunal.

No Senado, houve uma alteração no tempo verbal de um enunciado que poderá trazer graves consequências. O impedimento de elegibilidade se aplicava aos candidatos que tivessem condenação. Emenda introduzida pelo senador Francisco Dornelles, sob argumento de tornar o texto mais coerente, substituiu "que tenham sido condenados" por candidatos "que forem condenados".

Segundo o presidente da CCJ do Senado e relator do projeto, Demóstenes Torres, “Tínhamos, quando o texto chegou [da Câmara], nove disposições das quais quatro tinham a expressão ´os que forem´ e quatro com a expressão ´os que tenham sido´ – além de uma que não continha nenhuma das duas expressões. Ora, a lei não pode ser aprovada desta forma porque vai dar a impressão, ao julgador, que num caso só se abarcam os casos do futuro, em outros casos só abarcará o passado”. Como o Senado entendeu que a emenda não alterara o sentido da Lei, enviou-a para sanção presidencial.

Disse que eram mudanças promissoras. Repito com exemplos. Antes, apenas os condenados por crimes contra economia popular, mercado financeiro, administração pública, fé pública, patrimônio público, tráfico de entorpecentes e crimes eleitorais, com sentença transitada em julgado (sem possibilidade de recurso) ficavam inelegíveis. Agora, basta a condenação determinada por órgão jurisdicional colegiado pelos mesmos crimes e mais: por abuso de autoridade, lavagem ou ocultação de bens, racismo, tortura, terrorismo, crimes hediondos, trabalho escravo, crimes contra a vida, abuso sexual, formação de quadrilha ou bando, ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.

Antes, quem detinha cargo público na administração pública direta ou indireta e fosse condenado por abuso de poder econômico ou político ficava inelegível por três anos. Era comum que as decisões da Justiça fossem tomadas apenas no final do mandato de quatro anos. Na eleição seguinte, o político podia se reeleger sem problemas. Agora, não, eles ficam inelegíveis por oito anos, dificultando o drible à Lei. Antes, o político ameaçado de ser processado que renunciasse para não ter o mandato cassado podia candidatar-se na eleição seguinte.

Agora, o presidente da República, os governadores, os prefeitos, os deputados federais e estaduais, os senadores e os vereadores que renunciarem para não perder o mandato ficarão inelegíveis nos oito anos subsequentes. As limitações não se impõem apenas aos políticos de carteirinha. Com a LFL, o profissional que for excluído da profissão por infração ética fica inelegível. Servidores públicos ou agentes políticos que tenham perdido o cargo por processo disciplinar após processo administrativo ou judicial também.

São, pelo menos, três os problemas que a interpretação da norma lança: a) suas disposições valerão para as eleições de 2010? Sim. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não considera "processo eleitoral", sujeitas à anualidade do artigo constitucional 16, regras sobre registro de candidaturas. A resposta a uma consulta no último dia 10 (de junho) confirmou esse entendimento; b) A mudança do Senado exigia volta do texto à Câmara? Embora tenha, aparentemente, afetado os destinatários da norma, especialmente os condenados em segunda instância, a alteração foi meramente gramatical, sem afetar substancialmente a disciplina legal. Não precisaria mesmo retornar à Câmara; c) Apenas os que forem condenados a partir da publicação (ou da sanção, para alguns) da lei ficarão proibidos de candidatar-se? Não.

A mudança redacional não pode ser desligada da finalidade normativa e do texto em sua sistematicidade constitucional. Não há violação a situações consolidadas ou retroatividade constitucionalmente vedada. A própria Constituição já determinava que fossem criadas hipóteses de inelegibilidade com base na vida pregressa do candidato, além de reiteradamente prescrever o dever de lealdade e de probidade administrativa de todo agente público, notadamente o político. A Lei apenas aclarou aquelas hipóteses, atendendo aos reclames constitucionais. Nenhum candidato pode falar em direito adquirido fundado em ato ilícito. Já não podia. Agora, tampouco.

A presunção de inocência no Brasil, outro argumento utilizado para atacar a LFL, tem sido elevada à máxima potência. E quem a discute é tachado de autoritário ou de mentalidade repressiva. Curiosamente, são quase sempre os mesmos que criticam a impunidade que reina no país. Claro que todos são inocentes até prova em contrário. Qualquer regime democrático respeita essa garantia que vem do princípio romano incumbit probatio qui dicit, non qui negat (o ônus da prova incumbe a quem alega e não a quem nega) ou simplesmente affirmanti incumbit probatio. Resta saber quando se inverte a presunção.

Predomina no Brasil o entendimento de que somente o trânsito em julgado é capaz de subvertê-la ou, ao menos, relativizá-la. Talvez seja a interpretação mais literal do art. 5º, LVII, da Constituição, que diz: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Uma cópia fiel do art. 27(2) da Constituição italiana. Considerar culpado é o mesmo que sofrer qualquer espécie de efeito negativo decorrente do processo penal, além, claro, do processo.

Em geral, entretanto, a garantia de presunção de inocência assegura que, somente por meio de um devido processo legal, em que seja demonstrada a culpabilidade da pessoa, poderá o Estado aplicar-lhe sanção penal. Não estou a falar da Líbia ou da Coreia do Norte. Refiro-me à maioria dos países europeus, aos Estados Unidos e ao Canadá, todos inspirados no artigo 11 da Declaração Universal de Direitos Humanos. Em muitos casos, basta que haja uma e apenas uma decisão judicial para que a presunção seja abrandada.

Não se trata de prejulgamento ou de antecipação de pena, mas de extração de conseqüências jurídicas da inversão do ônus da prova. Após decisão de um órgão colegiado, no caso brasileiro, quase sempre em segunda instância de julgamento, parece razoável que a presunção seja atenuada. No caso, a máxima efetividade da Constituição em favor da democracia e a lisura do processo político exigem-na.

Ao Tribunal Superior Eleitoral caberá dirimir as dúvidas sobre a correção da LFL em consultas que lhe foram ou forem formuladas. É provável que o assunto acabe na pauta do Supremo Tribunal Federal. Independentemente da resposta judiciária e mesmo de lei, devemos fazer as escolhas dos melhores nomes para conduzir os assuntos públicos para não haver arrependimento depois. Limpa, a ficha deve cair: somos nós os responsáveis pelos nossos destinos e escolhas. É uma questão de consciência.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

ONU: Brasil deve acabar com o trabalho escravo

Uma perita da ONU sobre direitos humanos exortou o Brasil a intensificar os esforços para combater a prática da escravidão e de trabalho forçado nas áreas rurais do país. "A escravidão é um crime que não deve ficar impune", disse Gulnara Shahinian, Relatora Especial sobre Formas Contemporâneas de Escravidão, no final da sua visita ao Brasil.
"O Governo [brasileiro] tomou medidas louváveis para combater o flagelo, incluindo a publicação de uma chamada 'lista suja' das fazendas e empresas que utilizam trabalho escravo, excluindo-os de benefícios públicos", reconheceu ela.
Mas "alguns latifundiários, empresas e intermediários, como os 'gatos', têm encontrado uma forma de evitar processos criminais, aproveitando brechas [e oportunidades] legais que retardam as decisões judiciais, promovendo a prescrição e a impunidade", disse a especialista.
O trabalho forçado ocorre em áreas rurais, principalmente nos empreendimentos pecuários e nas plantações de cana-de-açúcar. As vítimas são na maioria homens e meninos com idade superior a 15 anos. Nas áreas urbanas do Brasil, o trabalho forçado ocorre em grande parte na indústria de confecções.
Ela ressaltou que a aprovação de uma emenda constitucional, que expropria terras em que sejam encontradas pessoas em condições análogas à de escravo, seria um passo importante na luta contra essa prática nefasta.

sábado, 5 de junho de 2010

De Mavi Marmara a Rachel Corrie e a estupidez humana

Ah a estupidez humana. Como pode um povo com história de opressão e preconceito ser protagonista de opressão e preconceito? A dor não ensina, parece que só instiga a vingança. Qual o direito que tem Israel de interceptar barcos em águas internacionais, impedindo ajuda humanitária à população sitiada de Gaza? Nesta segunda, 31/5, a "Frota da Liberdade" foi abordada na madrugada por soldados israelenses.
Eram Golias bem armados contra um bando de Davis que recorriam a estilingues e paus, pedaços da escotilha e de esperança para se defenderem de uma abordagem absurdamente ilegal. Diz-se que estavam escondidos no seu interior terroristas e armas. Sabe-se, entretanto, que a ONU inspecionou os navios antes de partirem rumo a Gaza e os soldados de Israel, depois da prenderem os ativistas, não encontraram sequer um bacamarte. Apenas Simãos. De saldo, ficaram pelo menos dez mortos no barco almirante "Mavi Marmara". Não valeram de nada, tampouco os protestos em todos os cantos do mundo. O navio "Rachel Corrie", nome que homenageia a ativista norte-americana, do Movimento Internacional de Solidariedade, esmagada pelas escavadeiras das Forças de Defesa de israel que demoliram barracos palestinos em 2009, foi obrigado a desviar sua rota e atracar no porto israelense de Ashdod.
Israel virou xerife do mar mediterrâneo e senhor do destino de outros povos. A política do Obaobama se perde nas esperanças de uns USA diferentes, mais fraternos, menos belicosos. Não há isolacionismo, mas conivência. Israel tem todo direito de evitar que imbecis sectários banhem de sangue suas ruas e campos, mas não pode adotar a política de guerra preventiva e deixar, no mínimo, dois terços dos habitantes de Gaza na miséria e na desgraça. Sem remédio, sem escolas, com alimentos escassos e quase nada por esperar. Nem tem a procuração da comunidade internacional para impor sanções multilaterais.
Impedir que outras nações ou a sociedade internacional cheguem ao território de Gaza é ato abusivo e intolerável, ainda mais quando se destinam a fornecer ajuda humanitária. A passividade das Nações Unidas me faz lembrar das antigas leituras de História que contavam o precipício a que a política de impotência da Liga das Nações levou. A violência não faz mais do que gerar violências adicionais, iniquidades, injustiças e dor. Muita dor. Ah essa humanidade estúpida!

JG de Araujo Jorge: A vida, de Repente

De repente
percebemos como era boa aquela vida que levamos
aqueles calmos momentos de impercebida felicidade,
aquelas horas aparentemente vazias e sem prazer
entretanto, cheias de nós, de nossa simples presença,
de uma ternura que enlevava nossos corações
como as velas cheias dos bancos sonolentos
sobre o mar sem ondas...
De repente
gostaríamos que tudo voltasse para que nos apropriássemos
do que foi nosso, e se perdeu,
para que pudéssemos dar valor
a tanto que tivemos, sem saber que era amor...
Agora
que a vida nos atira (sobre que expectativas
sombrias e inevitáveis?)
nos lembramos que já fomos nós, pelo menos no início,
e subitamente nos sentimos numa curva impossível,
à borda de um precipício...

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Direitos homoafetivos no STJ

Em decisão unânime, a 4a Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu o direito de um casal homossexual adotar um filho. A decisão foi tomada no último dia 27/4, mantendo acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que em 2006 autorizara duas mulheres que viviam em união homoafetiva a serem as responsáveis legais por duas crianças.
O STJ tem sido simpático aos direitos sexuais dos homoafetivos. Já havia se manifestado favorável ao reconhecimento de direitos previdenciários, como mostram os três julgados que seguem.
Direito civil. Previdência privada. Benefícios. Complementação. Pensão post mortem. União entre pessoas do mesmo sexo. Princípios fundamentais. Emprego de analogia para suprir lacuna legislativa. Necessidade de demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização da união estável, com a evidente exceção da diversidade de sexos. Igualdade de condições entre beneficiários.
- Despida de normatividade, a união afetiva constituída entre pessoas de mesmo sexo tem batido às portas do Poder Judiciário ante a necessidade de tutela, circunstância que não pode ser ignorada, seja pelo legislador, seja pelo julgador, que devem estar preparados para atender às demandas surgidas de uma sociedade com estruturas de convívio cada vez mais complexas, a fim de albergar, na esfera de entidade familiar, os mais diversos arranjos vivenciais.
- O Direito não regula sentimentos, mas define as relações com base neles geradas, o que não permite que a própria norma, que veda a discriminação de qualquer ordem, seja revestida de conteúdo discriminatório. O núcleo do sistema jurídico deve, portanto, muito mais garantir liberdades do que impor limitações na esfera pessoal dos seres humanos.
- Enquanto a lei civil permanecer inerte, as novas estruturas de convívio que batem às portas dos Tribunais devem ter sua tutela jurisdicional prestada com base nas leis existentes e nos parâmetros humanitários que norteiam não só o direito constitucional, mas a maioria dos ordenamentos jurídicos existentes no mundo.
Especificamente quanto ao tema em foco, é de ser atribuída normatividade idêntica à da união estável ao relacionamento afetivo entre pessoas do mesmo sexo, com os efeitos jurídicos daí derivados, evitando-se que, por conta do preconceito, sejam suprimidos direitos fundamentais das pessoas envolvidas.
- O manejo da analogia frente à lacuna da lei é perfeitamente aceitável para alavancar, como entidade familiar, na mais pura acepção da igualdade jurídica, as uniões de afeto entre pessoas do mesmo sexo. Para ensejar o reconhecimento, como entidades familiares, de referidas uniões patenteadas pela vida social entre parceiros homossexuais, é de rigor a demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização da união estável, com a evidente exceção da diversidade de sexos.
- Demonstrada a convivência, entre duas pessoas do mesmo sexo, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, haverá, por consequência, o reconhecimento de tal união como entidade familiar, com a respectiva atribuição dos efeitos jurídicos dela advindos.
- A quebra de paradigmas do Direito de Família tem como traço forte a valorização do afeto e das relações surgidas da sua livre manifestação, colocando à margem do sistema a antiga postura meramente patrimonialista ou ainda aquela voltada apenas ao intuito de procriação da entidade familiar. Hoje, muito mais visibilidade alcançam as relações afetivas, sejam entre pessoas de mesmo sexo, sejam entre o homem e a mulher, pela comunhão de vida e de interesses, pela reciprocidade zelosa entre os seus integrantes.
- Deve o juiz, nessa evolução de mentalidade, permanecer atento às manifestações de intolerância ou de repulsa que possam porventura se revelar em face das minorias, cabendo-lhe exercitar raciocínios de ponderação e apaziguamento de possíveis espíritos em conflito.
- A defesa dos direitos em sua plenitude deve assentar em ideais de fraternidade e solidariedade, não podendo o Poder Judiciário esquivar-se de ver e de dizer o novo, assim como já o fez, em tempos idos, quando emprestou normatividade aos relacionamentos entre pessoas não casadas, fazendo surgir, por consequência, o instituto da união estável. A temática ora em julgamento igualmente assenta sua premissa em vínculos lastreados em comprometimento amoroso.
- A inserção das relações de afeto entre pessoas do mesmo sexo no Direito de Família, com o consequente reconhecimento dessas uniões como entidades familiares, deve vir acompanhada da firme observância dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da autodeterminação, da intimidade, da não-discriminação, da solidariedade e da busca da felicidade, respeitando-se, acima de tudo, o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual.
- Com as diretrizes interpretativas fixadas pelos princípios gerais de direito e por meio do emprego da analogia para suprir a lacuna da lei, legitimada está juridicamente a união de afeto entre pessoas do mesmo sexo, para que sejam colhidos no mundo jurídico os relevantes efeitos de situações consolidadas e há tempos à espera do olhar atento do Poder Judiciário.
- Comprovada a existência de união afetiva entre pessoas do mesmo sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente de receber benefícios previdenciários decorrentes do plano de previdência privada no qual o falecido era participante, com os idênticos efeitos operados pela união estável.
- Se por força do art. 16 da Lei n.º 8.213/91, a necessária dependência econômica para a concessão da pensão por morte entre companheiros de união estável é presumida, também o é no caso de companheiros do mesmo sexo, diante do emprego da analogia que se estabeleceu entre essas duas entidades familiares.
- “A proteção social ao companheiro homossexual decorre da subordinação dos planos complementares privados de previdência aos ditames genéricos do plano básico estatal do qual são desdobramento no interior do sistema de seguridade social” de modo que “os normativos internos dos planos de benefícios das entidades de previdência privada podem ampliar, mas não restringir, o rol dos beneficiários a serem designados pelos participantes”.
- O direito social previdenciário, ainda que de caráter privado complementar, deve incidir igualitariamente sobre todos aqueles que se colocam sob o seu manto protetor. Nessa linha de entendimento, aqueles que vivem em uniões de afeto com pessoas do mesmo sexo, seguem enquadrados no rol dos dependentes preferenciais dos segurados, no regime geral, bem como dos participantes, no regime complementar de previdência, em igualdade de condições com todos os demais beneficiários em situações análogas.
- Incontroversa a união nos mesmos moldes em que a estável, o companheiro participante de plano de previdência privada faz jus à pensão por morte, ainda que não esteja expressamente inscrito no instrumento de adesão, isso porque “a previdência privada não perde o seu caráter social pelo só fato de decorrer de avença firmada entre particulares”.
- Mediante ponderada intervenção do Juiz, munido das balizas da integração da norma lacunosa por meio da analogia, considerando-se a previdência privada em sua acepção de coadjuvante da previdência geral e seguindo os princípios que dão forma à Direito Previdenciário como um todo, dentre os quais se destaca o da solidariedade, são considerados beneficiários os companheiros de mesmo sexo de participantes dos planos de previdência, sem preconceitos ou restrições de qualquer ordem, notadamente aquelas amparadas em ausência de disposição legal.
- Registre-se, por fim, que o alcance deste voto abrange unicamente os planos de previdência privada complementar, a cuja competência estão adstritas as Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ.
Recurso especial provido.
3a Turma. REsp 1026981/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/02/2010, DJe 23/02/2010.

########################################################### PLANO DE SAÚDE. COMPANHEIRO. "A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica" (REsp nº 238.715, RS, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ 02.10.06). Agravo regimental não provido. 3a Turma. Ag-AgRg 971.466/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, julgado em 02/09/2008, DJe 05/11/2008.

###########################################################

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA. (...) 3 - A pensão por morte é : "o benefício previdenciário devido ao conjunto dos dependentes do segurado falecido - a chamada família previdenciária - no exercício de sua atividade ou não ( neste caso, desde que mantida a qualidade de segurado), ou, ainda, quando ele já se encontrava em percepção de aposentadoria. O benefício é uma prestação previdenciária continuada, de caráter substitutivo, destinado a suprir, ou pelo menos, a minimizar a falta daqueles que proviam as necessidades econômicas dos dependentes. " (Rocha, Daniel Machado da, Comentários à lei de benefícios da previdência social/Daniel Machado da Rocha, José Paulo Baltazar Júnior. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2004. p.251). (...) 5 - Diante do § 3º do art. 16 da Lei n. 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação homoafetiva. 6- Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir as necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta Política de 1988 que, assim estabeleceu, em comando específico: " Art. 201- Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: [...] V - pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 2 º. " 7 - Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito. 8 - Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, através da Instrução Normativa n. 25 de 07/06/2000, os procedimentos com vista à concessão de benefício ao companheiro ou companheira homossexual, para atender a determinação judicial expedida pela juíza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com eficácia erga omnes. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento 9 - Recurso Especial não provido. 6a Turma. Esp 395.904/RS, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, julgado em 13/12/2005, DJ 06/02/2006, p. 365.

As mudanças trazidas pela Lei da Ficha Limpa

O Estadão fez um resumo interessante sobre as mudanças trazidas pela Lei da Ficha Limpa:
1. QUEM FICA INELEGÍVEL
Como é hoje: só os condenados com sentença transitada em julgado (sem possibilidade de recurso) ficam inelegíveis.
Como fica: condenação decidida por órgão jurisdicional colegiado deixa o político inelegível. Porém, ele pode recorrer e, se conseguir liminar, poderá inscrever-se na eleição.
2. TEMPO DE INEGIBILIDADE
Como é hoje: o período de inelegibilidade varia de três a oito anos, a depender do crime.
Como fica: o político condenado pela Justiça fica oito anos inelegível.
3. CRIMES PREVISTOS NA LEI
Como é hoje: ficam inelegíveis condenados sem possibilidade de recurso pelos crimes contra economia popular, mercado financeiro, administração pública, fé pública, patrimônio público, tráfico de entorpecentes e crimes eleitorais.
Como fica: além dos crimes já previstos hoje, ficam inelegíveis também os condenados, em decisão de colegiado jurisdicional, por crimes de abuso de autoridade, lavagem ou ocultação de bens; racismo; tortura; terrorismo; crimes hediondos; trabalho escravo; crimes contra a vida; abuso sexual; formação de quadrilha ou bando; ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público; e enriquecimento ilícito.
4. CRIMES PRATICADOS NO EXERCÍCIO DO PODER
Como é hoje: quem tem cargo público na administração pública direta ou indireta e for condenado por abuso de poder econômico ou político fica inelegível por três anos. É comum que as decisões da Justiça saiam no final do mandato de quatro anos do político. Assim, na eleição seguinte, ele pode se reeleger.
Como fica: ficam inelegíveis por oito anos seguintes à decisão.
5. POLÍTICOS QUE RENUNCIAM PARA NÃO SEREM CASSADOS
Como é hoje: o político ameaçado de ser processado e renuncia para não ter o mandato cassado pode se candidatar na eleição seguinte
Como fica: presidente da República, governadores, prefeitos, deputados federais e estaduais, senadores e vereadores que renunciam para não perder o mandato ficam inelegíveis nos oito anos subsequentes.
6. PROFISSIONAIS PROCESSADOS
Como é hoje: o político que tenha sido demitido do cargo profissional por decorrência de infração ética e profissional não tem impedimento para se candidatar.
Como fica: profissional excluído da profissão por infração ética fica inelegível. Funcionários públicos demitidos após processo administrativo ou judicial também. Ainda membros do Ministério Público que tenham perdido o cargo por processo disciplinar ficam fora das eleições.
Para recordar: a Lei da Ficha Limpa foi de iniciativa do povo, tendo sido aprovada às pressas pelo Congresso Nacional por pressão da sociedade civil. Claro que às custas de algumas modificações. O texto original previa, por exemplo, a condenação em primeira instância. A Câmara aprovou emenda que exigia decisão de órgão colegiado. Vale dizer, tribunal.
No Senado, houve uma alteração no tempo verbal de um enunciado que poderá trazer graves consequências. O impedimento de elegibilidade se aplicava aos candidatos que tivessem condenação. Emenda introduzida pelo senador Francisco Dornelles, sob argumento de tornar o texto mais coerente, substituiu "que tenham sido condenados" por candidatos "que forem condenados". Segundo o presidente da CCJ do Senado e relator do projeto, Demóstenes Torres, “Tínhamos, quando o texto chegou [da Câmara], nove disposições das quais quatro tinham a expressão 'os que forem' e quatro com a expressão 'os que tenham sido' – além de uma que não continha nenhuma das duas expressões. Ora, a lei não pode ser aprovada desta forma porque vai dar a impressão, ao julgador, que num caso só se abarcam os casos do futuro, em outros casos só abarcará o passado”. Como o Senado entendeu que a emenda não alterara o sentido da Lei, enviou-a para sanção presidencial.
São, pelo menos, três os problemas que a interpretação da norma lança: a) suas disposições valerão para as eleições de 2010? Sim. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não considera "processo eleitoral", sujeitas à anualidade do artigo constitucional 16, regras sobre registro de candidaturas; b) a mudança do Senado exigia volta do texto à Câmara? Embora tenha, aparentemente, afetado os destinatários da norma, especialmente os condenados em segunda instância, a alteração foi meramente gramatical, sem afetar substancialmente a disciplina legal. Não precisaria mesmo retornar à Câmara; c) apenas os que forem condenados a partir da publicação (ou da sanção, para alguns) da lei ficarão proibidos de candidatar-se? Não. A mudança redacional não pode ser desligada da finalidade normativa e do texto em sua sistematicidade constitucional. Não há violação a situações consolidadas ou retroatividade constitucionalmente vedada. A própria Constituição já determinava que fossem criadas hipóteses de inelegibilidade com base na vida pregressa do candidato, além de reiteradamente prescrever o dever de lealdade e de probidade administrativa de todo agente público, notadamente o político. A Lei apenas aclarou aquelas hipóteses, atendendo aos reclames constitucionais. Nenhum candidato pode falar em direito adquirido fundado em ato ilícito. Já não podia. Agora, tampouco. Enfim, a máxima efetividade da Constituição em favor da democracia e a lisura do processo político exigem tais respostas.
Ao Tribunal Superior Eleitoral caberá dirimir tais dúvidas em consultas que lhe foram formuladas recentemente. É provável que o assunto acabe na pauta do Supremo Tribunal Federal.

Lei da Ficha Limpa e os condenados pelo TCU

De acordo com a Lei de Inelegibilidade (LC 64/1990), são inelegíveis para qualquer cargo os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão (art. 1, I, g). Para que haja incidência da norma é necessário que a Justiça Eleitoral reconheça a causa impeditiva de elegibilidade em ação movida pelo Ministério Público com base na decisão dos tribunais de contas. Na prática, as cortes de contas, especialmente o TCU, enviavam ao MP lista com os nomes das pessoas que tinham as suas contas rejeitadas. A Lei da Ficha Limpa, recentemente aprovada, passou a prever, no entanto, que, para ter o registro de candidatura negado, a condenação deverá "configurar ato doloso de improbidade administrativa, em decisão irrecorrível". Textualmente, o dispositivo exige mais que pronunciamento do tribunal de contas. Será necessário haver uma condenação judicial. Essa modificação foi introduzida por emenda parlamentar, assinada pelos deputados José Eduardo Cardoso e Antônio Carlos Biscaia. A "Ficha Limpa" sujou em sua literalidade. A única forma de fugir ao aterro é dar a ela uma interpretação mais adequada à sua teleologia. Para que seja declarada a inelegibilidade bastará que o TCU indique se tratar de improbidade administrativa praticada dolosamente. Resta saber como a Justiça Eleitoral irá se comportar. Espera-se que de acordo com os anseios populares pela moralidade pública.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Referendo pode acabar com o sigilo bancário na Suíça

A Suíça pode estar caminhando para um referendo sobre uma questão que o país tem por sagrado: o sigilo bancário. O parlamento começou a debater a possibilidade de aprovar um tratado com os Estados Unidos que determina ao seu maior banco, o UBS, a revelação dos nomes de milhares de norte-americanos que possuem dinheiro naquele país. Para segmentos expressivos do pensamento constitucional, a ratificação do tratado importa significativa mudança legislativa e política, que exigiria consulta popular de nível nacional. A questão está em aberto.

Suprema Corte Norte-Americana reduz direitos dos presos

Os presos e acusados em geral devem manifestar-se clara e inequivocamente no sentido de que desejam exercer o seu direito de permanecer calado, sob pena de que qualquer coisa que disserem poder ser usada contra eles. E isso mesmo depois de ouvirem a leitura (ainda obrigatória) dos seus direitos, conhecidos, por lá, como "Miranda rights". Esses direitos foram reconhecidos no caso Miranda v. Arizona, julgado em 1966. Segundo essa decisão, o preso deve ser imediatamente informado de seu direito a permanecer em silêncio, conforme assegura a V Emenda, bem como a consultar um advogado, constituído ou, se indigente, dativo, antes do interrogatório, conforme a VI Emenda. Se a polícia não respeitar essas exigências, a prova obtida não será válida. A polêmica decisão foi tomada pela Suprema Corte por 5 a 4, no caso Berghuis v. Thompkins no dia 1/6/2010. De acordo com o voto divergente da justice Sonia Sotomayor, "a decisão (...) coloca 'Miranda' de cabeça para baixo. (...) Suspeitos de crimes devem agora inequivocamente invocar o seu direito de permanecer calado, o que - intuitivamente - obriga-os a falar."