domingo, 30 de maio de 2010

Direitos e estrangeiros

Em que pese o discurso universalista, os direitos fundamentais ainda são basicamente direitos dos nacionais. É certo que o desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos procura atenuar essa falha Westphaliana, mas seus resultados ainda estão mais por vir do que efetivamente já realizados, sobretudo em vista da proporção do desrespeito aos direitos humanos em todos os locais do planeta.

No plano interno, o estrangeiro ainda é assimilado ao “outro” ou ao “inimigo” schmittiano, sofrendo discriminações jurídicas e políticas injustificáveis. Argumentos econômicos e de segurança interna são utilizados para adoção de medidas que restringem os seus direitos, reduzindo-os a uma classe inferior de seres humanos. De fato – e, em parte, de direito – o estrangeiro é uma capitis diminutio da já precária condição humana. Nas linhas de fronteira, os senhores da imigração exercem um poder arbitrário de mando, transformando os espaços de acesso aos Estados numa zona de direitos humanos zero. Os limites geográficos são também as divisas do Estado de Direito.

Dentro do território nacional, os sistemas constitucionais graduam a proteção jusfundamental de acordo com a nacionalidade. Têm mais direitos ou direitos plenos, os nacionais, seguidos dos estrangeiros residentes ou legais, dos não residentes e, no fundo do poço, dos estrangeiros ilegais. A estes são negados o status libertatis, os direitos trabalhistas e o acesso ao sistema público de ensino e saúde.

Os países têm ademais criado mecanismos de persuasão, premial e coercitiva, para que os habitantes, nacionais ou estrangeiros regulares, denunciem a presença dos ilegais, a lembrar os métodos nazistas de convencimento da população para entrega ou identificação de judeus, homossexuais e portadores de necessidades especiais. Não há câmaras de gás, mas um subsistema administrativo-penal, em que são gravemente atenuadas as garantias processuais e os direitos civis básicos, com vistas à deportação dos corpos estranhos à sociedade civilizada.

O Brasil adota uma política mais liberal em vista desse cenário. De maneira expressa, a Constituição praticamente equipara nacionais e estrangeiros residentes. São ressalvados os direitos políticos e de nacionalidade, além da propriedade de alguns objetos destacados como os meios de comunicação social. A jurisprudência constitucional tem, ao longo do tempo, estendido aos não domiciliados no país o sistema de proteção jusfundamental, especialmente no tocante aos direitos de índole processual.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Senso de justiça muda com a idade

Pesquisadores da Escola Norueguesa de Economia e Administração (NHH) constataram que as crianças tendem a repartir melhor os ganhos pessoais do que os adolescentes. O estudo, publicado na Science de maio/2010, mostrou que: a) todas as faixas etárias se mostram dispostas a abrir mão de parte dos ganhos pessoais; b) há um senso geral de justiça como redistribuição; c) para os adolescentes, o mérito pessoal tende a pesar mais na hora de dividir os ganhos: "à medida que envelhecem", escreveu Erik Sorensen, "as crianças parecem aceitar mais a desigualdade como algo justo, embora continuem a valorizar o senso de justiça".

Hierarquia entre direitos fundamentais

"Quando penso no que eu perdi, eu pergunto: ´Quem se conhece melhor do que o cego?´ - pois cada pensamento se torna uma ferramenta." (Jorge Luis Borges)

A existência de hierarquias entre os direitos fundamentais é sempre produto de pré-compreensões e ideologias. Orientações liberais tendem a ver os direitos de defesa como mais importantes; vertentes igualitaristas priorizam os direitos sociais que promovam a inclusão de grupos desfavorecidos; republicanistas, por seu lado, funcionalizam todos os direitos em torno do processo democrático e de formação da vontade política.

Há quem afirme que, mesmo sem previsão constitucional expressa, exista uma hierarquia entre as normas jusfundamentais. Por exemplo, no caso brasileiro, pode-se interpretar “direitos e garantias”, previstos como barreiras materiais à emenda constitucional (art. 60, § 4º, IV, CRFB), como parte dos direitos estatuídos pelo artigo 5º, e, em razão disso, dar-lhe primazia formal. É tão desacertado e incomum quanto a Constituição tomar partido, fixando-lhe a hierarquia.

Mesmo quando não for admitida a hierarquia formal das normas, ainda há orientações que sustentam a hierarquia material entre os direitos, que podemos dividi-las entre os ontológicos, metodológicos e os práticos. Ontologicamente se defende a prevalência sempre das liberdades clássicas ou de alguns direitos reputados essenciais, como o direito à vida e à liberdade, segundo uma concepção de homem ou da natureza. Exatamente por isso, a perspectiva poderá ser deslocada para o homem situado ou para programas ou tarefas coletivas que persigam uma configuração sócio-política determinada. Bem se ver que a distinção para os adeptos da hierarquia formal é, permitido o trocadilho, de forma. Nega-se uma diferença de valor constitucional, para logo em seguida ser feita uma distinção, de acordo com um pano de fundo ideológico, entre direitos mais ou menos essenciais.

Os metodológicos, por sua vez, escondem-se atrás da necessidade técnica de se estabelecer, segundo regras, uma hierarquia de conteúdo entre as normas. Não há expresso apelo a uma ordem suprapositiva ou a uma dada concepção de mundo ou de homem, em geral, mas uma laboriosa e, às vezes, impenetrável pesquisa do direito constitucional positivo, segundo uma dicção precisa e própria, que lhes autoriza definir qual direito vem antes, qual interesse vem depois, qual virá, às vezes.

Em muitos casos, eles nos põem armadilhas: como dizer que a proibição de tortura ou de escravidão seja restringível ou submetida ao conflito do qual possa não prevalecer? Há quem, de um modo mais geral, admita o caráter irrestringível e, portanto, absoluto do direito de ser tratado como pessoa ou de não ser vítima de um projeto homicida. Normalmente, uns e outros admitem a impossibilidade de conflito ou da natureza desse direito apenas no plano moral, sem se aventurar no plano dos discursos jurídicos. Os práticos não devotam crenças em doutrinas políticas ou filosóficas, nem se dedicam puramente a desenvolver ferramentais técnicos de sondagem do material jurídico-positivo, cuidando antes de retirar das glosas à jurisprudência suas conclusões. O resultado de sua pesquisa indicará, concretamente, que direitos ou bens têm recebido especial proteção judicial.

“A hierarquia das normas”, escreveu Michel Tropper, “não pode ser suposta. Ela deve ser constatada após o exame dos valores relativos às diferentes normas emitidas pelos órgãos da ordem jurídica. Se admitirmos que a interpretação é a fase essencial da emissão dessas normas, faz-se necessário então concluir que o estudo da interpretação comanda aquele da hierarquia das normas e não o contrário (...). Se houver gradação, é somente entre as normas constitucionais postas pela interpretação do juiz no exercício de seu poder de controle.”

Tudo certo, não fosse o excesso de poder que o autor francês acaba por atribuir ao juiz.

domingo, 23 de maio de 2010

A proporcionalidade segundo os alemães

Ninguém sabe nem talvez jamais saberá se é mais angustiante a incompreensão do presente ou a incerteza do futuro. Por conta e culpa próprias. De tanto sonhar com a perfeição ou o paraíso de um dia que pode vir a ser, perdem-se os prazeres do instante e os presentes do presente. Troca-se a certeza do estranhamento e da incompletude à disposição quase diária pela compreensão de novos dias a serem vividos sobre padrões de conduta tão velhos quanto o mofo do seu sentido. Enquanto isso, a felicidade se extravia, deixando o sabor acre da angústia. E da dúvida. Não se compreende. Não se sabe. Nem jamais se saberá. Talvez.

A proporcionalidade, como é conhecida hoje nos discursos constitucionais, foi desenvolvida pela doutrina e jurisprudência alemãs, com base na construção prussiana oitocentista de proporcionalidade no Polizeirecht, especialmente na aplicação de pena e no exercício do poder de polícia. Hoje é preceito inspirado tanto no conceito de Estado de Direito, quanto na estrutura ou essência dos direitos fundamentais, sendo empregado para aferir a legitimidade de restrição a tais direitos. O preceito é desdobrado em três máximas.

A primeira é chamada de “adequação”, “idoneidade” ou “instrumentalidade” (Geeignetheit ou Tauglichkeit), entendida como aptidão, em tese, para o meio escolhido pelo legislador promover ou produzir o resultado ou fim pretendido. A segunda é conhecida como “necessidade” (Erforderlichkeit ou Notwendigkeit), a obrigar um prévio exame dos meios disponíveis ao legislador, de modo a verificar se foi adotado aquele menos gravoso ou mais benéfico ao direito restringido.

A terceira máxima é dita proporcionalidade em sentido estrito ou justa medida (Abwägung), que demanda um sopesamento de importância entre os direitos, bens ou interesses em conflito, segundo a lógica de custo e benefício, de modo que as vantagens auferidas pelos fins perseguidos (um direito fundamental ou um interesse coletivo) sejam iguais ou superiores aos prejuízos acarretados ao direito afetado.

Diz-se que a adequação e a necessidade se referem às possibilidades fáticas, enquanto a proporcionalidade estrita indica as possibilidades jurídicas dos direitos ou bens constitucionais em conflito, pressupondo todas as três, para muitos, direitos como princípio e princípios como ordem de otimização (comandam o mais possível, segundo as condições de possibilidades fáticas e jurídica).

O rigor na apuração varia com as máximas. Quanto se trata de examinar se uma lei restritiva promoveu adequadamente o balanceamento entre as normas constitucionais, a adequação e a necessidade só podem gerar uma conclusão contrária, se for patente ou grosseiro o erro de avaliação legislativa. Um meio idôneo não será obrigatoriamente necessário, mas um meio necessário (menos gravoso) pressupõe que seja adequado. Os dois, de toda sorte, desempenham um papel menor ou insignificante quando se trata de colisão de direitos, ampla ou estrita, sem intermediação legislativa.

O ponto central do princípio é devotado à ponderação ou proporcionalidade propriamente dita, segundo a qual quanto maior for o grau de afetação (ou de não satisfação) de um direito fundamental, tanto maior tem de ser a importância de satisfação do outro. Essas observações gerais sobre o princípio não dispensam uma análise específica, ainda que sucinta, das máximas que o integram.

Preceito, princípio ou postulado, a proporcionalidade tem sido abusadamente empregada como critério definitivo de correção de leis restritivas de direitos e até mesmo na hipótese de conflitos jusfundamentais sem mediação legislativa. Poucos se dão conta de que se trata de uma técnica constitucional importante, todavia, formulada em termos lingüísticos, sendo, por isso mesmo, objeto de interpretação na hora de ser aplicada.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A proporcionalidade como exigência de proteção estatal dos direitos fundamentais

“A solidão é o retrato sem reparo ou fotoshop do fracasso humano. A forma mais cruel e indigna de ser enterrado antes que os olhos se fechem para a eternidade do pó originário. A solidão é a poeira dispersa no caos de uma existência de quem de tanto (ou talvez de não, direito) amar, nem saber-se amado, perdeu-se na escuridão da alma. Pior, talvez, seja o destino de quem desiste do amor, a menos que amor não seja ou sinta, fechando os olhos à imediatidade das regras e do querer absoluto. Deveria haver uma lei que severamente punisse quem, por sua renúncia, condena outro ser, amado ou nem tanto, à tortura de ser só. Triste a solidão, triste sepulcro esse de um morto ainda vivo. Não deixe, por tudo, que as flores premiadas despetalem seu último perfume. Nem as lance sobre o jazigo por um telefonema ausente ou tente decifrar os sonhos intempestuosos. Apenas as regue com sorriso terno e deixe a luz entrar”. (Luc de Leben).

Embora ainda sem muito efeito prático, o Supremo Tribunal Federal tem feito menção, por expressa referência à construção alemã, à proporcionalidade como vedação de excessos e como proibição de insuficiência na atuação estatal. A orientação é capitaneada pelo Ministro Gilmar Mendes. Na dogmática alemã, escreveu ele, “é conhecida a diferenciação entre o princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot)”.

No primeiro caso, segue na lição, “o princípio da proporcionalidade funciona como parâmetro de aferição da constitucionalidade das intervenções nos direitos fundamentais como proibições de intervenção. No segundo, a consideração dos direitos fundamentais como imperativos de tutela (Canaris) imprime ao princípio da proporcionalidade uma estrutura diferenciada”. As máximas da adequação, necessidade e proporcionalidade estrita se aplicam também à proporcionalidade estrita.

O ato não será adequado, ainda na visão de Gilmar, “quando não proteja o direito fundamental de maneira ótima; não será necessário na hipótese de existirem medidas alternativas que favoreçam ainda mais a realização do direito fundamental; e violará o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se o grau de satisfação do fim legislativo é inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de proteção” (ADI 3112/DF). No caso das células-tronco, voltou com a tese, ao afirmar que o artigo 5º da Lei de Biossegurança (Lei 11105/2005) violava o princípio da proporcionalidade como proibição de proteção insuficiente, por não prever um órgão central, vinculado ao Ministério da Saúde, para análise, aprovação e autorização das pesquisas e terapia com células-tronco originadas do embrião (ADI 3510/DF).

O Ministro Ricardo Lewandowski também já afirmou que “o princípio da proporcionalidade, bem estudado pela doutrina alemã, correspondente a uma moeda de duas faces: de um lado, tem-se a proibição de excesso (Übermassverbot), e, de outro, a proibição de proteção deficiente (Utermassverbot)”. E aplicou-as à discussão em torno da gratuidade, determinada por lei, ao registro civil de nascimento e óbito. Não me parece, disse, “que os dispositivos legais impugnados incidam na proibição de excesso, porquanto os notários e registradores exercem tantas outras atividades lucrativas que a isenção de emolumentos neles estabelecida certamente não terá o condão de romper o equilíbrio econômico-financeiro das serventias extrajudiciais, de maneira a inviabilizar a sua continuidade”.

Viu, ademais, na determinação legal cumprimento das exigências do lado B da proporcionalidade, que obriga o Estado a proteger de maneira eficaz os “economicamente hipossuficientes, sobretudo no que respeita aos seus direitos de cidadania” (ADI 1800). Ficamos à espera de novos desdobramentos dessa espécie de proporcionalidade. Se o Tribunal levá-la à prática, poderemos ter um ativismo judicial importante em matéria de direitos sociais de prestação. É esperar para ver.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Criminosos sexuais: Prisão indefinida

Por 7 votos a 2, a Suprema Corte dos EUA decidiu no dia 17/5/2010 que condenados por crimes sexuais podem continuar presos mesmo depois de expirar a sua pena. Segundo a lei federal (18 U. S. C. § 4248), que foi considerada constitucional pela Corte, o Estado terá de provar que o condenado apresenta "sérias dificuldades em se abster de comportamento sexualmente violento ou molestar crianças", se for libertado.