quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Meu Caro Papai Noel

Por razões de estilo e hábito, mas também por lealdade e com o respeito devido, quero deixar claro que não só duvido de sua existência como o acho, empregando mal as palavras, um manipulador de emoções e sentimentos. Isso para não cair na vala comum dos que afirmam que o senhor é fiel cavaleiro do comércio e nada mais.
Superadas essas preliminares (e afirmo a contragosto como o faço todo ano, por simples apego ao princípio da eventualidade ou como disse, aos costumes, para não me acusarem de ter perdido alguma aula de prática jurídica, mas rogando, desde já, antecipadas desculpas), gostaria de ir bem ao fundo do fundo, ao mérito de meu pedido, o que, verdadeiramente, importa. Todo o resto é protocolar.
Pois bem, como, parece, a crise econômica já passou ou, pelo menos, deu uma trégua, animei-me a fazer não um, como de praxe, mas cinco pedidos, e não para mim, como sempre faço, mas para todos os seres humanos, agora, imaginados, como sempre deveriam ter sido, iguais, independente da origem, etnia, nacionalidade, gênero, cor, orientação religiosa, política, sexual, artística (incluindo sertaneja e axé) ou futebolística (cruzeirenses e saopaulinos inclusivamente).
Gostaria de pedir que não mais existisse, nunca mais mesmo, fome, guerra, pobreza, opressão nem violência. Preferi não postular o fim da peste e de seu triunfo, a morte, por razões que esclareço depois, embora tamanha tenha sido a tentação que, como este, espero, não é o último natal de minha vida, deixo para solicitá-lo, quem sabe, o ano que vem.
Muitos já pediram, eu sei. E o senhor não é Deus, eu sei. Mas fico, às vezes, a pensar que se o senhor existisse, se Deus existisse, por que haveria essas pedras em nosso caminho? Sei bem que são criações humanas e não divinas. Aliás, foi isso que me deu coragem para pedir o que peço e abrir mão do que poderia ser o impossível ou de algo que o colocasse em contendas com o Todo Poderoso.
Digo isso me referindo à criação d’Ele em sua completude: a natureza e tudo que ela contém, suas leis, seus bichos, suas plantas, suas indecifráveis criaturas, excetuando o homem, a sua, por pressuposto, mais sublime expressão. Embora tenha de externar, e peço absoluto sigilo quanto a isso, o meu desapontamento com algumas manifestações desse poder originário absoluto e absurdamente discricionário.
Pode ser que essa minha impressão seja, de fato, mas não de direito, fruto da ignorância das grandes leis celestiais, da Constituição do universo e de tudo que existe, existiu ou existirá, ainda que apenas em pensamento. Penitencio-me, de pronto, se for – e deve ser – essa a razão do meu equívoco.
Ou de qualquer outra que se impute a esta ingênua, incrédula e ingrata criatura e suas venalidades, com ou sem direito de defesa, ainda que insidiosamente eu o reclame. Feitas, portanto, todas as precauções, mesmo assim, eu lhe confidencio para demonstrar a pureza e desinteresse do meu requerimento.
Ver, por exemplo, meu velho (me permite?), no “Animal Planet” a sagacidade do leão para atacar as suas presas e a organização das hienas para garantir os restos não é muito animador, confesso. É animalesco. A fome precisa ser combatida com a morte em campo de batalha. E como sofrem as leopardas viúvas ou seus filhotes desgarrados.
O olhar terrificado do cervo (com o perdão desse termo usado apenas para evitar duplo sentido ou gerar outro mais próprio) encurralado na premonição da morte é oprimente, desigual, insano, com o perdão, de novo, dos excessos verbais. Mas, me permita outra vez, meu velho, é, pelo menos, curioso ouvir alguém dizer que a lei da natureza é intrinsecamente justa.
Certamente o senhor já o ouviu uma centena de vezes e nem sei se concorda com isso. Provavelmente, certamente, que sim. Tenho que confessar, entretanto, que a mim me causa indignação, mas sou frágil, talvez pusilânime ou, como disse, simplesmente ignorante. Por isso, não lhe peço que, sem fechar o canal de tevê (que, por sinal, é fechado), mude assim a natureza das coisas.
Tampouco vou desejar o fim das dúvidas metafísicas: de onde viemos, para onde vamos, quem somos (por que não estamos com esta e não com aquela, coisas assim mais profundas). Por isso, estou convicto da viabilidade do que lhe peço. E sei que, por suas ligações com o Onipotente, sem quebrar o vínculo da hierarquia nem os mistérios da fé, quando acordar no dia 25 de dezembro, todas essas cinco chagas estarão curadas, minha súplica, enfim, atendida.
Se pareço um menino mimado, me perdoa mais uma vez. É que sei, bem sei que essas mazelas, exatamente por não serem tipicamente naturais, podem ser superadas por uma simples mudança de atitude do ser humano perante o mundo e principalmente perante ele mesmo. Talvez seja preciso uma proteína a mais, um peptídeo a menos, um código genético recomposto, uma falha de sistema ou caráter sanada, uma vírgula, um ponto. Nada que ponha em risco a obra do Criador.
Embora possa se imiscuir no ramo da bioquímica ou da genética, sabe-se lá se também na gramática divinal ou apenas linguística, meu caro, caríssimo Papai Noel, tudo se resume na verdade à recuperação de uma palavra antiga e até passada, brega, eu quero dizer: amor. Pois, então, que neste natal o amor disperse todos os seus contrários, pais bastardos da fome, da guerra, da opressão, da pobreza e da violência. Será que é pedir demais?
É, nesses termos, que pede respeitosamente e espera deferimento do que assim pede esta pobre e ignara criatura. A assinatura segue na imaginação para sua autenticidade.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Senado americano sob suspeita de corrupção

Senadores norte-americanos podem ter apoiado o projeto governista de reforma da saúde em contrapartida a benefícios de diversas naturezas para seus Estados de origem. Leia na reportagem da CBS: Senate's Deal: Compromise or Corruption?

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Satiagraha sob perigo

O ministro Arnaldo Esteves Lima, da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), suspendeu, por meio de liminar em habeas corpus (HC 146796/SP), todas as ações da Operação Satiagraha. Isso inclui a ação penal que resultou na condenação de Daniel Dantas a dez anos de prisão e na multa de R$ 12 milhões por corrupção ativa; bem como a cooperação internacional, comprometendo o bloqueio, feito pela Justiça dos Estados Unidos, de US$ 450 milhões nas contas do empresário naquele país.
O inquérito havia sido conduzido por Protógenes Queiroz. Coube ao Ministério Público Federal o ajuizamento da ação penal e ao juiz da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, Fausto De Sanctis, a condenação.

O Reino da Dinamarca

Neste momento em que toda a humanidade tem os olhos voltados para este pequeno e rico país: a Dinamarca - espécie de sociedade ideal que atingiu todos os índices de prosperidade almejados pelas outras nações-, devemos fazer uma reflexão sobre o seu passado.
Shakespeare imortalizou a Dinamarca em Hamlet, quando disse “há algo de podre no reino da Dinamarca”. Daí pra frente, essas palavras viraram um lugar comum todas as vezes que alguém sentiu o cheiro de corrupção em sua família, empresa, Estado...
Por mais que o Bardo de Stratford, naquele momento, estivesse falando de sua Inglaterra natal, a Dinamarca era mesmo um pobre e corrupto país que merecia verdadeiramente ser chamada de podre.
A Dinamarca situa-se na chamada península Escandinávia, o conceito é vago; mas Suécia, Noruega e num certo sentido, a Finlândia e os seus aparentados, a Islândia formam um “padrão escandinavo” em qualidade de vida, quase sem par no resto do mundo. Ordeiros, pacíficos, generosos, brilhantes, ricos ostentam todas as conquistas – as objetivas, pelo menos- que todos nós almejamos. Mas não foi sempre assim.
Cercados de gelo por todos os lados e com um sol que brilha partes do ano até a meia noite – esse povo, chamado no passado de Vikings, formaram as hordas mais cruéis da cristandade. Hábeis navegadores, entre os séculos IX e X – é possível que Erik, o viking tenha chegado à América séculos antes de Colombo – chegaram às costas da Europa devastando tudo que encontraram.
Durante um curto período, os Vikings governaram a Inglaterra. Aí, no século XI, parte do continente europeu se fortalece e a Escandinávia entra num processo de profunda estagnação, com Noruega, Suécia e Dinamarca se fundindo e se separando até assumirem a forma atual que conhecemos.
Até os anos de 1920, a Dinamarca e seus vizinhos não passavam de um imenso pântano gelado. Os filmes dos anos 80, Pelle, o Conquistador e a Festa de Babete nos dão um panorama do que era a Escandinávia até quatro gerações atrás. Um povo pobre, atrasado e quase sem esperança. Já hoje!
Pergunto: o que é que a Escandinávia tem que o Brasil não tem? Por que é que esta nação “abençoada por Deus” riquíssima em recursos naturais, clima favorável, não acaba com a miséria. Por mais que avanços tenham ocorrido, ainda se morre de fome no Brasil.
O nosso índice de violência é igual ao de países em guerra. O número de favelados do Rio de janeiro e São Paulo superam a população escandinava. O que fazer para mudar isso? Dizem que a resposta é educação e mais educação. Sim, mas não é só isso. Algo mais forte se impõe. Precisamos de um choque de moralidade.
O problema do Brasil, por enquanto, é um só: Impunidade. Somos uma sociedade corrupta. Eu declaro aqui em alto e bom som: enquanto as Cortes Superiores do Brasil não colocarem os grandes e notórios corruptos na cadeia, o Brasil não mudará. Precisamos de exemplos, precisamos de um corrupto condenado e preso. Como os EUA fazem.
Se um corrupto notório for preso, os outros ficarão intimidados. O STF precisa nos dar um corrupto de presente neste natal. Um corrupto embalado e condenado atrás das grades. Seria o primeiro passo para sonharmos com a prosperidade escandinava e para homenagearmos a cúpula do meio ambiente na Dinamarca, que não é mais podre, o Brasil é que é.
Postado por Theófilo Silva, Presidente da Sociedade Shakespeare de Brasília e colaborador da Rádio do Moreno.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O tempo (Mário Quintana)

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são seis horas! Quando de vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal... Quando se vê, já terminou o ano... Quando se vê perdemos o amor da nossa vida. Quando se vê passaram 50 anos! Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas... Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo. Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz. A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Os bobos da corte e o direito flexível

Virou moda dizer que o brasileiro tem uma ética flexível. Não vingou ainda a noção de que a lei também é, em muitas áreas, modulável. Certos deveres ou proibições não são efetivos, não pegam, não merecem respeito.
Para muita gente, a causa estaria no descompasso entre a norma e a consciência de sua validade. Não, evidentemente, a consciência jurídica de uma moral pós-convencional. Algo bem mais rasteiro. As leis seriam gravosas demais e violariam o sentido prático de sua efetividade. Para os particulares, seriam um excesso regulamentar ao contrato social subjacente à organização política e, por isso, objeto de uma desobediência civil, ainda que desorganizada e inorgânica. Para os agentes estatais, elas seriam bifrontes.
Corrupção à parte, o pessoal diretamente imbuído de sua aplicação se sente mais poderoso e tende a exagerar o próprio rigor das leis. Entretanto, o pessoal da cobertura burocrática tenta atenuar a dureza legal, normalmente por pressões dos particulares mais revoltados com a sanha dos fiscais do rés-do-chão. Enquanto a reforma mais ampla não vem, criam-se mecanismos legais de isenções como moratórias ou mesmo anistias.
Os benefícios são variados e variados os campos de aplicação. Quem deixa de pagar tributos, por exemplo, quase sempre é aquinhoado com convincentes descontos ou alongamento do débito a perder de vista. A quem interessa esse drible legal? À voracidade fiscal. A lógica é sempre da arrecadação, embora, aqui e ali, leve-se em conta a importância do inadimplente. Não raras as vezes que o próprio direito penal, última seara de repressão, vira instrumento de cobrança financeira.
As multas eleitorais são outro filão dessa benemerência estatal. As leis eleitorais procuram estabelecer condições mínimas de igualdade entre os candidatos, especialmente restringindo propagandas fora de hora ou abusivas. Não têm jeito. Em todas as eleições, os postulantes aos cargos eletivos infringem tais limitações e sofrem de leves a pesadas multas. Mas para quê? No ano seguinte, aprovam-se normas de anistia. A Justiça Eleitoral vira motivo de chacota.
Veja-se o que sucedeu agora com o Código Floresta. Há, nele, a obrigação de os donos de terra delimitarem e protegerem áreas de reserva legal e as de preservação permanente. Inicialmente, não havia o dever formal de averbação dessas áreas, especialmente as de reserva legal, uma vez que as APPs estão definidas no próprio Código. Como boa política, a obrigação foi criada e o governo federal resolveu engrossar a voz.
Os proprietários teriam até final de 2008 para fazer as devidas averbações e recuperar aquelas áreas que se encontrassem degradadas, sob pena de multa. Esse prazo acabou sendo prorrogado por mais um ano e, nesta semana, por outros três anos com o benefício de suspensão das multas aplicadas aos que concordarem com as normas do Programa Mais Ambiente (PMA), criado pelo decreto que o instituiu (Decreto 7.029/2009).
Não precisa grande esforço para descobrir quem são os interessados dessa benesse ambiental em plena COP15. Os sinais de que as regras sobre a reserva legal serão alteradas são nítidos. E o governo já havia acenado antes que deverá abrandar as exigências do Código Florestal, de modo que o próprio PMA lançado com o decreto vira conto de ninar (os grandes desmatadores).
O pior dessa flexibilidade legal não é nem o achaque à política ecológica nem à Justiça Eleitoral ou ao direito penal, mas à difusão da ideia de que, no Brasil, ganha-se mais em descumprir do que em cumprir a lei. Noutra versão: bobo quem a respeita.Por isso que o pessoal da cobertura vive em festas. No rés-do-chão, fica-se com as sobras. E alguns ainda acham bom.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Meu reino por um cavalo

Depois de “Ser ou não ser: eis a questão” a sentença acima talvez seja a mais popular de Shakespeare, entre as dezenas que ele criou e que são repetidas pelas pessoas todos os dias em todo o mundo. Foi tão utilizada nesses quatro séculos que usá-la aqui é quase um lugar comum. Mas, os fatos atuais me obrigam a resgatá-la.
Foi pronunciada pelo déspota Ricardo III na batalha de Bosworth, que pôs fim a Guerra das Rosas na Inglaterra do século XV. Sem montaria, tendo que combater no chão, Ricardo brada desesperadamente: “um cavalo, meu reino por um cavalo”. Covarde, sabe que somente a força e a velocidade de um cavalo poderiam tirá-lo daquela situação.
Ninguém sabe se Ricardo III pronunciou essas palavras, mas foi assim que Shakespeare quis que fosse e seu Teatro e sua imaginação têm a capacidade de ultrapassar a própria realidade. A história da humanidade é a história das guerras e as guerras foram feitas em cima de cavalos.
Até a chegada do automóvel no final do século XIX – bem como a locomotiva no início desse século – o cavalo foi o principal meio de transporte do homem e também a maior arma dos criadores de impérios. Desde Alexandre, o Grande, no século IV A.C, com seu Bucéfalo, até Napoleão Bonaparte e seu célebre garanhão branco, o cavalo foi o grande responsável por muitas conquistas.
Sabe-se que a invenção do estribo foi muito importante para as vitórias de Alexandre. Os povos nômades, também chamados de povos montados, os hunos de Átila, no século VI, e os mongóis de Gengis Khan, no século XIII, formaram seus grandes impérios em cima de cavalos. Os hunos eram tão ligados aos cavalos, que dormiam em cima deles, formando quase um único ser, tal a ligação que existia entre homem e animal.
Mesmo o exército de Hitler nos anos quarenta, com seus tanques, Mercedes, trens e motocicletas transportaram a grande maioria de seus víveres, canhões e outros apetrechos em carroças puxadas por cavalos. Só após a Segunda Grande Guerra é que o cavalo deixa de ser utilizado pelo exército nas guerras. Mesmo assim, a cavalaria ainda existe nos exércitos de todo o mundo.
E sempre foi considerada pelos militares uma das mais nobres divisões do exército. Depois do cachorro e do gato o cavalo é o mais amado dos animais. Lembrei dos cavalos, porque vi esta semana no eixo monumental de Brasília, em frente ao Palácio da Justiça, a cavalaria da polícia da Cidade. Belíssimos animais, mestiços da raça Manga Larga com Quarto de Milha.
Esses animais foram utilizados de uma maneira vil e truculenta para amedrontar e pisotear estudantes e ativistas durante uma manifestação pacífica. Cavalos chegam a pesar quase meia tonelada, um coice deles pode matar facilmente um homem e a força de seus cascos esfacela ossos e músculos. Um cavalo montado por um néscio é uma arma muito poderosa.
O Estado deve repensar o uso da cavalaria da polícia para reprimir manifestações, ainda que, nessa operação, os cavalos fossem mais pacíficos do que os policiais. O que se viu em Brasília quarta-feira foi um ato brutal de intimidação contra pessoas indefesas e desarmadas. Havia ali mais cavalos do que os usados por Hernan Cortez na conquista do México e a polícia se comportou como as hordas montadas de Gengis Khan.
Se José Roberto Arruda, o mentiroso confesso, espera segurar-se no governo com essa tática boçal de violência, se enganou. Esse talvez tenha sido o seu grito de Ricardo III às avessas. Ricardo perdeu o trono Inglaterra e a vida por falta de um cavalo, Arruda vai perder o seu por excesso deles.
Postado por Theófilo Silva, Presidente da Sociedade Shakespeare de Brasília e colaborador da Rádio do Moreno.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Panetones da corrupção

Tomara que o brasileiro não se acostume de vez com os atos de corrupção da política como se fossem algo dado pela natureza. Corruptos não nascem em árvores ou brotam do chão bruto, por mais que se aproximem na quantidade e disposição. Corruptos são basicamente produtos da cultura.
Não desconheço que cada um de nós carrega dentro de si tendências para o desatino ao lado de inspirações para o bem. Ou que corruptos houve em toda a história nossa e alheia. Mas a ética tentou, ao longo do tempo, domesticar esses desvios. Claro que a ética, ela mesma, foi contagiada pela ambivalência humana, mas, seriamente, sempre buscou aprimorar os padrões de comportamento e, mais importante, tentou estimular uma consciência moral mais brilhante do que o céu estrelado como dizia um ranzinza de Könisberg.
A ética das virtudes dos antigos ou a ética formalista da modernidade, a ética empirista ou a ética discursiva, todas tinham essa empreitada. E criam e creem que somos capazes de nos tornar melhores com a descoberta de que sem ética o mundo vira um monturo de carcaças, uma carnificina espalhada pela terra, uma terra de ninguém. Ou, pior, uma terra dos mais espertos ou dos mais inescrupulosos.
Há povos que se detêm sobre o projeto de emancipação do ser humano de modo muito mais intenso e, por isso mesmo, exitoso de que outros. Para eles, a esfera pública não é território sem dono ou lei nem a política é apenas o espaço de profissionais de sua apropriação. Povos em que a corrupção, mesmo com a invasão da lógica do mercado na concorrência eleitoral, tornou-se exceção. Existe, mas está ali apenas para não permitir que se relaxe o aprendizado do bem comum e da república, não como valores da vida pública apenas, mas ingredientes do dia-a-dia de cada um.
Não é, por acaso, que muitos regimes políticos que romperam com a ordem existente, sob justificativa de extermínio da corrupção e dos corruptos, revelaram-se tão ou mais corruptos do que os que derrubaram. Talvez pela hipocrisia de seus argumentos. Talvez e mais provavelmente pelo vício de origem: não se combate a corrupção sendo igualmente corrupto.
Fiquemos precavidos de outras confusões supostamente salvadoras.
Para começar, corrupção é bem mais que dar ou receber vantagem indevida em virtude do cargo. Por isso mesmo, Robespierres não são suficientes, mesmo que imbuídos de nobres propósitos. O medo inibe, mas não corrige tampouco, por si, educa. Além do mais, o ambiente o devorará feito leão faminto a suas presas mais apetitosas. Será uma questão de tempo.
Nem bastam leis. A Constituição brasileira faz referência à defesa da probidade ou da moral ou do decoro públicos, pelo menos, em quinze diferentes passagens. Mas a Caixa de Pandora sempre dá o ar das suas desgraças com panetones milionários. Em âmbito nacional, distrital, estadual ou municipal, com o perdão dos ecos de cão. Dinheiro no bolso, na cueca, na meia, em Cayman, nas Bahamas, na Suíça, fraudes em licitação, em concursos públicos, caixas dois eleitorais, mensalões, mensalinhos, mensalinas.
Pequeno, acreditava que vivia num país promissor. Vejo hoje, não tão grande, mas razoavelmente experiente, que este é um país de resistência e de riqueza. Com toda roubalheira acumulada na história ainda aparece nos estudos como aquele país promissor de minha infância.
As leis brasileiras trazem em si, é verdade, um componente de ineficácia. Não falo das famosas brechas que deixam às vistas das taras capitalistas (bando de despudoradas jurídicas!), mas dos déficits instrumentais dos mecanismos de controle (desprepara técnico, falta de suporte logístico, desarticulações institucionais, para ficar em alguns), aliados a um sistema de justiça que reproduz a exclusão social, de modo que, para os mais afortunados, oferece os prazeres dos direitos fundamentais e, para os deserdados, as faces perversas do direito penal.
Então vamos mudar esse quadro. Escuto o presidente da República falar da Ucrânia. Devemos fazer uma constituinte com temas específicos: voto em lista, financiamento público de campanhas, agravamento das penas aos aloprados da corrupção. Tudo, de novo, outra vez, ecos de ecos: a retórica do direito sendo usada para um conto de fadas moribundo.
Os caciques dos partidos mandarão mais do que nunca e os caixas dois sobreviverão incólumes. Assim como a corrupção sangrará o país promissor. Há mudanças institucionais que podem e devem ser feitas. O aperfeiçoamento das instâncias de controle e a democratização do sistema de justiça, para ser enfático, espero que não enfadonho, são exemplos bem mais promissores para o nosso país promissor.
E, claro, uma mudança de cultura privada. É notória entre nós a falta do autointeresse responsável ou, como dizia Tocqueville, do interesse bem compreendido. O mundo corporativo está repleto de espaços de corrupção privada (entre agentes privados, os departamentos de compras e os financeiros, por exemplo) ou pública (como corruptores dos agentes públicos). Essa face quase sempre invisível nos debates sobre ética pública precisa ser revelada e corrigida. São antes ingredientes de difusão da lógica das facilidades e de soberania da perversão e da anomia, da redução dos valores humanos, inclusive a dignidade, a meros cifrões.
Precisamos também abandonar práticas rotineiras de corrupções menores, filhas do mesmo erro. Pequenos gestos de nosso cotidiano como fechar cruzamento, furar filas ou subornar o guarda de trânsito revelam que se estivéssemos em Brasília faríamos igual. Ou pior.

Foro privilegiado e impunidade

A prerrogativa de foro para autoridades públicas visa a preservar a independência no exercício da função pública. Entretanto, não são raros os casos de prescrição da pretensão punitiva ou das sanções administrativas e políticas em processos tramitando nos tribunais. Um efeito colateral perverso.
De acordo com estatísticas publicadas pela Associação dos Magistrados Brasileiros, apenas 40% dessas ações tramitando no Superior Tribunal de Justiça foram julgados com 1% de condenações. No Supremo Tribunal Federal, o julgamento chega a 45,8%, mas o percentual de condenação é ainda mais preocupante: zero

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Os Discípulos de São Durval

Em virtude do que está ocorrendo em Brasília no presente momento, gostaria de citar um trecho do meu livro, A Paixão Segundo Shakespeare - lançamento dia 12 deste mês - contido no ensaio, A Justiça. Parece coincidência ou até mesmo premonição o que está escrito lá, mas não é nada disso.
Qualquer um com um pouco de inteligência que circula bem no Distrito Federal sabe o que está se passando na cidade. O número de pessoas falando de suas viagens e ostentando um padrão de vida que vai muito além de seus salários – Brasília é uma cidade de funcionários - é de dar na vista.
... Observo com muita clareza, mentes jovens criminosas 'brilhantes' - na casa dos 30 anos - construindo uma carreira... moldada no assalto aos cofres públicos por meio da proteção de governantes corruptos, que os contratam como testa de ferro. Normalmente eles começam a carreira como secretários de estado, diretores de estatais, presidentes de ONG’s, etc. Esses criminosos 'brilhantes' acabam ultrapassando seus criadores, e passam eles mesmos a serem agentes da ação. Uma boa parte deles entra na política, e conquista um mandato popular, ou seja, a certeza absoluta da impunidade. No máximo em dez anos, ali na entrada dos quarenta anos já ostentam patrimônios milionários e passam a rir da cara da sociedade, com suas BMWs, mansões, ternos Armani etc. A quantidade de processos que cada um tem contra si dá um livro. A punição máxima que auferem depois de flagrados é ter alguns bens bloqueados e a conta salgadíssima do advogado, nada mais. O grosso do dinheiro é enterrado em latas ou enviado para fora do país. Se alguém me pedir uma lista desses sujeitos residentes em Brasília, cidade que conheço bem, posso dar algo em torno de cem nomes. Mas não tenho nenhuma prova. E nem é obrigação minha tê-lo”.
Apresento esse trecho, porque o filme mais visto no Brasil hoje é uma coleção de vídeos de homens públicos de Brasília recebendo pacotes de dinheiro oriundos não se sabe de onde. Aliás, a Polícia Federal sabe. E agora a sociedade também. Também não preciso dar mais apontar nomes, porque vários deles se entregaram sem querer.
Essas pessoas, diz o camareiro da peça Henrique IV: “...estão continuamente preocupados, rezando ao próprio patrono: a riqueza pública, ou melhor dizendo, não estão rezando para ela, pois que a devoram... E o disfarçado, Gadshill completa: “Nós roubamos como em nossa casa, com perfeita segurança... andamos invisíveis”. E não é que rezaram mesmo!
Até isso Shakespeare sabia. A cena em que dois parlamentares aparecem abraçados com “São” Durval, agradecendo a Deus pelo dinheiro ilícito, é uma confirmação dessa sábia sentença do Bardo. Talvez seja a cena mais cínica e anticristã que o Brasil já assistiu.
O correto era “orar” para alguma Entidade satânica, já que a propina é considerada crime em todas as sociedades. E o “andamos invisíveis”? Não deu certo, já que hoje existem câmeras de vídeo, e tão pequenas que mal conseguimos vê-las. Eis o problema, não dá mais para ficar invisível.
E imagens podem ser, nesse tipo de situação, muito mais forte do que palavras. Sobre a resposta da Justiça brasileira para esses crimes já externei minha visão lá em cima, não esperemos condenação de ninguém, pois somos o país da impunidade. Esses homens públicos agem assim por que sabem que não serão punidos.
No entanto, existe um poder chamado sociedade civil, opinião pública, que sabe punir. Se ela sair às ruas e agir, como já está agindo, a justiça será feita. Eu disse num artigo anterior: chegou à hora dos bons!
Postado por Theófilo Silva, presidente da Sociedade Shakespeare de Brasília e colaborador da Rádio do Moreno.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Reportagens revoltantes: Pandora vazou e houve tentativa de cooptar o STJ e STF

Segundo Leandro Mazzini, do Jornal do Brasil, José Roberto Arruda, o governador do Distrito Federal, tentou impedir a operação da Polícia Federal Caixa de Pandora, que tornou público o esquema do mensalão distrital.
Arruda ligou para o ministro Fernando Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na quinta-feira, para saber da investigação e pedir tempo para provar inocência. Segundo consta, o ministro não deu muitas esperanças ao governador. Arruda, então, tentou a intermediação do amigo Aécio Neves, governador de Minas, que também entrou no circuito em solidariedade. Em vão.
Consta que o ministro Fernando Gonçalves teria entrado em contado com a cúpula da Polícia Federal, comunicando o fato. No dia seguinte, os policiais precipitaram a operação de busca e apreensão, com temor de desaparecimento de provas. A investigação havia sido vazada.
Coincidentemente, a cúpula do Democratas, partido de Arruda, teria promovido na noite de segunda-feira um jantar com quatro ministros do Supremo Tribunal Federal na casa de um senador.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O suicídio assistido e a vida digna

O Conselho Federal da Suíça iniciou uma consulta que deverá se alongar até março de 2010 sobre duas propostas de combate ao chamado, pelo governo e organizações pró-vida, "turismo do suicídio".
Segundo informações divulgadas por essas organizações, só em 2007 ocorreram 1.360 suicídios naquele país, 400 deles com assistência. Da Grã-Bretanha vieram, pelo menos, cento e noventa pessoas em 2008, embora a Alemanha continue sendo o país com maior número de gente que procura pelas clínicas suíças.
A Suíça condena a eutanásia, quer dizer, a abreviação, sem dor, da vida de doente incurável, mas admite o suicídio assistido: o auxílio para que uma pessoa ponha termo à própria vida, com apoio em laudo médico da doença e do estado de consciência do paciente.
A primeira proposta governamental propõe o fim da prática admitida por lá."O suicídio é o último recurso do ser humano. O Conselho Federal crê na importância crucial de proteger a vida humana", justifica, em comunicado, o Ministério da Justiça.
A segunda proposta, em lugar de proibir a prática, restringe-a, por exemplo, a pacientes terminais que, em gozo de suas faculdades mentais, tiverem feito a opção por uma "morte com dignidade". Ficariam de fora os doentes crônicos, clientela grande do expediente final.
Além do mais, seriam necessários dois atestados médicos fornecidos por profissionais sem vínculos com as clínicas de suicídio, um declarando o gozo das faculdades mentais; outro, da condição terminal do paciente.
Em terceiro lugar, proibir-se-iam os lucros com o que chamam de "indústria da morte". Nenhuma clínica poderá cobrar nada além dos gastos com o tratamento. Para os organismos que defendem a "morte digna", tais medidas trocarão o fim assistido pela tragédia do suicídio solitário "em pontes, estradas e trilhos".
A clínica Dignitas, uma das que mais promovem a assistência ao suicídio, defende a convocação de um referendo sobre o tema. Acredita que a população é contra as duas propostas governamentais.
O assunto inflama as opiniões em qualquer lugar. Na maioria dos países, eutanásia ou suicídio assistido são crimes. A Corte Européia de Direitos do Homem chegou a afirmar em 2002, no caso Diane Pretty c. U.K., que não haveria, no direito europeu, um "direito à morte", mas, ao contrário, um direito à vida, consagrado pelo artigo 2o da Convenção Européia de Direitos do Homem. As exceções ainda são raras, mas bem sólidas.
O modelo suíço, por exemplo, é previsto também na Holanda. Na Bélgica, como no Distrito norteámericano de Colúmbia e em Luxemburgo, há a legalização tanto da eutanásia, quanto do suicídio assistido. Mesmo que a legislação não permita, algumas decisões judiciais recentes autorizaram, direta ou indiretamente, a prática. Nos Estados Unidos, o caso Terri Schiavo é o mais lembrado.
Na Itália, semelhantemente ao que se deu nos EUA, a Corte de Cassação autorizou a não alimentação de Eluana Englaro como forma de ajudá-la a morrer, depois de um coma de dezessete anos.
Seria possível, do ponto de vista constitucional, a adoção da medida no Brasil? A tese é problemática, mas sem fugir da pergunta: sim, é possível. Poderíamos, para justificar, recorrer ao direito à vida que, não é só ou qualquer vida, mas a digna de ser vivida.
Essa não é uma definição externa ou de Estado, como fora adotada pelos nazistas, por exemplo, mas um julgamento individual ou familiar que, com alguns cuidados, deve ser respeitado pela sociedade.
O tema já chamava a atenção dos parlamentares brasileiros antes da Constituição de 1988. O PL-732/1983, de iniciativa do deputado Inocêncio de Oliveira, permitia ao médico assistente o desligamento dos aparelhos de um paciente em estado de coma terminal ou a omissão de um medicamento que fosse prolongar inutilmente uma vida vegetativa, sem possibilidade de recuperar condições de vida sofrivel, em comum acordo com os familiares. Sem apoio, o projeto foi arquivado no mesmo ano de sua proposição.
Depois de outubro de 1988, a tendência especialmente dos deputados é não só manter a proibição como pesar a mão punitiva do Estado sobre a conduta. Exceção se faça ao parlamentar paulista Gilvam Borges e ao seu colega fluminense Hugo Leal. Gilvam não apenas formulou o PL-1989/1991, dispondo sobre a prática, que foi, todavia, arquivado dois anos depois de sua apresentação, como ainda propôs um plebiscito sobre a matéria (PDC-244/1993), igualmente frustado.
A proposta de Leal continua a tramitar na Câmara. De acordo com ela, haverá a liberação da ortotanásia, abreviação da morte de um paciente, por meio do desligamento de aparelhos ou cessação de procedimentos que o mantenham vivo artificialmente. É de se lembrar que a ortonásia havia sido liberada pelo Conselho Federal de Medicina em 2006, cuja resolução foi, em seguida, suspensa pela Justiça Federal.
No Senado Federal, há o PL n. 125/96, que estabelece critérios para a legalização da "morte sem dor". De acordo com a proposição, pessoas com sofrimento físico ou psíquico ou seus familiares, em caso de impossibilidade de expressar a vontade, poderão solicitar autorização judicial para que sejam realizados procedimentos que visem a abreviar a própria morte. O pedido deverá ser embasado em laudos firmados por uma junta médica, composta por 5 membros, sendo dois especialistas no problema do solicitante.
Diversos projetos, entretanto, tendem a incluir expressamente a eutanásia, juntamente com o aborto provocado, como crime hediondo (PL-3207/2008, PL-2283/2007, PL-5058/2005). Lúgrube ou sombrio, esse é um tema que, mais cedo ou mais tarde, o país terá de resolver.
Não é preciso pressa qualquer que seja a orientação, mas é necessário que todas as vozes se façam ouvidas. Audiências públicas, como a realizada em 10 de setembro passado, na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, devem ser repetidas. A sociedade, inclusive as escolas de ensino superior, deve estimular e promover o debate plural sobre a questão.

domingo, 29 de novembro de 2009

Os Frutos da Arrogância

Os alemães construíram durante a ditadura Nacional Socialista de Adolf Hitler dez mil e cinco campos de concentração de prisioneiros em toda a Europa, a maior parte deles na Polônia. A arrogância e a estupidez germânica se apresentaram logo após a unificação dos povos de língua alemã – a exceção da Áustria - nos anos 1860, num processo brutal conduzido pelo conde Oto Von Bismarck, dando posse a Guilherme I como primeiro Imperador (Kaiser) da Alemanha. “Ferro e Sangue” tornou-se o lema alemão.
Unidos, os alemães resolveram crescer e enriquecer o mais rapidamente possível, pois a “Alemanha estava predestinada a dominar o mundo”. Em 1870 aproveitando uma fanfarronada do estúpido Imperador da França, Napoleão III, entraram em guerra com os franceses e os venceram infligindo-lhes uma derrota humilhante.
De 1871 em diante a humanidade enfrenta um período de paz e prosperidade, que foi chamado de “Belle Époque”, até os canhões voltarem a troar em agosto de 1914. Nessas duas gerações, três nações: EUA, Japão e Alemanha prosperaram rapidamente juntando-se a Inglaterra, França e Áustria como as nações mais poderosas do mundo.
O ódio entre a França e a Alemanha tornou-se visceral, já que os orgulhosos franceses – que com Napoleão tanto maltrataram os alemães – aguardavam o momento de se vingar da tragédia de 1871. E estava fácil, a Alemanha lhes daria todos os motivos para uma guerra, o novo Kaiser (César) da Alemanha, Guilherme II já tinha um plano pronto para atacar a França. Guilherme II, um homem arrogante e recalcado – tinha um braço paralisado - tratou de procurar insultar ao máximo os outros governantes europeus.
E conseguiu junto com seus “irmãos” austríacos dar início a Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914, transformando essa guerra na maior carnificina da História. A Alemanha capitulou e a França foi à desforra com um tratado cruel retalhando seu território e cobrando indenizações impagáveis, que destruíram sua economia. A orgulhosa Alemanha conheceu o caos, e o desespero tomou o lugar da arrogância. Aí...
Ai apareceu a Besta do Apocalipse. Um cabo austríaco desempregado, de nome Adolf Hitler “atendeu ao chamado” de seu povo através da música de Richard Wagner. Hitler resolve vingar-se dos judeus, comunistas e financistas “os culpados pela derrota da Alemanha” para conduzir seu povo às glórias do passado, criando o Terceiro Reich (Império) Alemão que duraria mil anos. É em Ricardo III que Shakespeare diz que “o inferno está vazio e todos os demônios estão aqui”.
Sim, foi isso que aconteceu. Adolf Hitler esvaziou o inferno, transformando os alemães em demônios. Foram treze anos de brutalidades. Prisões, torturas, assassinatos e uma guerra nos cinco continentes que durou seis anos, ceifando a vida de sessenta milhões de pessoas e martirizando outras centenas de milhões.
O objetivo dos alemães, a “raça ariana”, os “deuses louros” era purificar a raça: deficientes, negros, ciganos, homossexuais e judeus foram presos e assassinados. Aos judeus, chamados por Hitler de bacilos, foi dado tratamento diferenciado.
Mais de seis milhões deles, ou mais da metade dos existentes, foram caçados, presos em condições insuportáveis, assados em fornos industriais: enfim exterminados. A esse crime inenarrável deu-se o nome de Holocausto. É esse crime, recheado de provas irrefutáveis que os muçulmanos e o doentio “presidente” do Irã se recusam a reconhecer.
Contei essa história toda para dizer que: negar o holocausto é desconhecer a história e escarnecer do sofrimento de toda a humanidade. Os alemães se redimiram.
Postado por Theófilo Silva, presidente da Sociedade Shakespeare de Brasília e Colaborador da Rádio do Moreno.

sábado, 28 de novembro de 2009

Livros de filosofia mais citados

De acordo com o Google Scholar, os livros de filosofia em língua inglesa mais citados na internet são:
1. Thomas Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions (37.197 citações)
2. John Rawls, A Theory of Justice (26.768 citações)
3. Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously (7.892 citações)
4. Ludwig Wittgenstein, Philosophical Investigations (7.169 citações)
5. Karl Popper, Conjectures and Refutations (6.516 citações)
6. Alasdair MacIntyre, After Virtue (6.579 citações)
7. Gilbert Ryle, The Concept of Mind (6.356 citações)
8. John Rawls, Political Liberalism (6.352 citações)
9. Robert Nozick, Anarchy, State, and Utopia (6.246 citações)
10. H.L.A. Hart, The Concept of Law (6.212 citações)
11. Richard Rorty, Philosophy and the Mirror of Nature (5.616 citações)
12. John Searle, Speech Acts (5.387 citações)
13. Jerry Fodor, Modularity of Mind (5.050 citações)
14. Daniel Dennett, Consciousness Explained (4.810 citações)
15. Karl Popper, Objective Knowledge (4.701 citações)
16. Saul Kripke, Naming and Necessity (4.535 citações)
17. W.V.O. Quine, Word and Object (4.565 citações)
18. Paul Feyerabend, Against Method (4.420 citações)
19. Richard Rorty, Contingency, Irony and Solidarity (4.011 citações)
20. Charles Taylor, Sources of the Self (3.233 citações).

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Bancos de DNA e intimidade

Na Grã-Bretanha existe, desde 1995, um banco de dados de DNA de todas as pessoas que tenham sido presas pelo que a lei chama de "delitos reportáveis", o que inclui desde a mendicância e embriaguez a homicídio ou estupro. Pouco importa de o sujeito depois seja liberado por falta de provas ou venha a ser considerado inocente. Os registros, que contemplam até crianças de 10 anos, já contêm hoje informações de mais 6 milhões de pessoas ou 10% da população da Inglaterra e Gales.
Um relatório divulgado recentemente por uma agência governamental, a Human Genetics Council, aponta os riscos, causados por essa coleta generalizada, para os direitos fundamentais, especialmente a intimidade, a presunção de inocência e a vedação de buscas e apreensões desarrazoadas e de autoincriminação das pessoas.
Levanta-se até a hipótese, entre irônica e trágica, de que os policiais estejam fazendo prisões apenas com o intuito de conseguir um esfregaçozinho da bochecha da pessoa e, com ele, catalogar o seu material genético. O governo, no entanto, garante que as medidas adotadas são razoáveis e que os registros serão usados com moderação e sempre para o bem. Resta saber de quem.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O fim dos paraísos fiscais e regulatórios

Willem Buiter, da London School of Economics, em seu artigo "After the Recession", defende que a comunidade internacional deve decretar o fim dos paraísos fiscais e regulatórios; com eles, do sigilo bancário. Escreveu:

Os paraísos fiscais são definidos como países, como Áustria, Luxemburgo, Suíça e frequentemente micro-Estados, que possuem sigilo bancário ou privacidade bancária como um princípio jurídico, que atribui aos bancos um poder de sigilo das informações de seus clientes, mesmo em face das autoridades fiscais e da polícia. O anonimato promove a evasão e fraudes de tributos, a lavagem de dinheiro e impede processos penais efetivos contra os deliquentes. Paraísos regulatórios, por sua vez, são nações que oferecem às empresas oportunidade de evitar os padrões regulatórios internacionais sobre contabilidade, administração, auditoria e transparência. Os paraísos fiscais e regulatórios são elementos chave da regulamentação global e dos mecanismos de arbitragem fiscal que minam as receitas governamentais e enfraquecem os instrumentos de regulamentação internacionais.

As formas de acabar com os paraísos fiscais são simples – proibir bancos, outras instituições financeiras e agentes privados de fazer negócios ou transações com os bancos e outras instituições financeiras localizados nos países que tenham sigilo bancário. Para cuidar dos paraísos regulatórios, basta que não sejam reconhecidos ou executados os contratos firmados sob as leis daqueles países nem reconhecido o julgamento de seus tribunais.

Preconceito aumenta nos Estados Unidos

De acordo com um relatório do FBI, houve um aumento de 2% dos crimes de preconceito nos Estados Unidos, contabilizando-se 7.783. Em geral, são atos de intimidação, perseguição e injúria ou ataques a propriedades, principalmente, vandalismo e incêndio. Ocorreram, entretanto, sete mortes decorrentes de preconceito.
A motivação racial continua sendo o número mais expressivo de casos (51,3%), seguida de preconceito religioso (19,5%), que cresceu 8%, e por orientação sexual (16,7%). 11,5 % dos crimes de ódio foram motivados por origem nacional ou étnica, tendo como alvo em dois terços dos episódios hispânicos.
O aumento de violência, provocada por ódio religioso, chamou a atenção de todos. Os judeus e suas instituições continuam a ser o alvo preferencial. Dois terços dos ataques se deram contra eles, embora representem menos de 2% da população. Crimes contra católicos subiu de 61 para 75 registros.
Ataques contra os islâmicos, que chegaram ao pico de 600 casos em 2001, por conta do 11 de Setembro, caíram de 115 para 105, enquanto "outras religiões", incluindo sikhs e hindus, subiram muito: passaram de 130 para 191 ocorrências. Para muitos analistas, as motivações religiosas podem estar ligadas à defesa de teses socialmente polêmicas como homossexualismo, eutanásia e aborto.
O "ódio racial" é basicamente direcionado contra afro-americanos. Foram 2.876 casos em 2008 contra 2.658 no ano anterior, enquanto os crimes contra os brancos cairam de 749 para 716 no mesmo período. Não deixa de ser um paradoxo diante do fato de os Estados Unidos terem escolhido pela primeira vez um negro para dirigir a Casa Branca.
Os registros de violência, física ou moral, contra homossexuais subiram cerca de 11% pelo terceiro ano consecutivo. Robert G. Sugarman, presidente da Anti-Defamation league, e Abraham H. Foxman, diretor nacional da ADL, divulgaram uma nota conjunta em que revelam a preocupação com o quadro existente: "a violência por ódio nos Estados Unidos é um problema nacional grave que demonstra pouco sinal de declínio", diz a nota.
As duas entidades chamam especial atenção para o crescimento do número de vítimas atacadas por razão religiosa ou de orientação sexual. Segundo Bill Donohue, presidente da Liga Católica para Direitos Religiosas e Civis, a situação é alarmante: "Eu nunca vi nosso país tão culturalmente dividido e polarizado."
É provável que o número real de ataques seja ainda maior do que apontam os dados oficiais. De acordo com analistas, a aprovação da Lei de Crimes de Ódio, promulgada por Obama em outubro de 2009, a chamada Matthew Shepard and James Byrd, Jr. Hate Crimes Prevention Act, que inclui o preconceito contra homossexuais, por exigir uma conduta mais proativa e atuante das autoridades locais, com o apoio financeiro da União, deverá revelar dados ainda mais assustadores.
Os USA, terra das liberdades, continuam preconceituosos. E nós?

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O destino de Cesare

As decisões recentes do Supremo Tribunal Federal sobre o caso “Cesare Battisti” mostram como é difícil angariar consenso numa sociedade pluralista. Elas desagradaram a gregos e troianos, aos defensores e aos acusadores de Cesare, por mais que a Itália a tenha, de público, aplaudido. Entretanto, o Tribunal, a meu ver, errou duas vezes e acertou uma.
Errou ao denominar comuns os crimes praticados por Battisti. Por mais que reprovemos atos de violência e os delitos de sangue, não se pode deixar de avaliar o contexto em que ocorreram e o nítido objetivo de desestabilizar o regime italiano. Eram tempos de desespero de uma esquerda que premonizava o desfecho de seu ideal de jutiça.
Os crimes políticos, reiteradamente assim definidos, impedem a extradição (art. 5º, LII). Curiosamente, o ministro Gilmar Mendes reconheceu esse ambiente e o dolo do autor, mas preferiu uma qualificação escorregadia: crime relativamente político. Noves fora o subjetivismo, a decisão contrariou julgamentos anteriores do Tribunal.
Equivocou-se uma segunda vez, ao rever a concessão de refúgio. Trata-se de ato de natureza diplomática, situado no âmbito da política externa brasileira e, portanto, de atribuição privativa do presidente da República e de seus ministros (art. 84, VI, VIII, XIX e XX, CRFB). E mais (queiram o não): de caráter humanitário.
O artigo 4º da Constituição nem a Lei n. 9474/1997 autorizam o seu controle judicial. Mas o Tribunal pensou diferente e anulou o ato do ministro da Justiça. De novo, desdisse decisões tomadas há pouco tempo pelo próprio colegiado.
Que haveria de diferente no caso Cesare para exigir esse desapego aos precedentes? A pressão italiana? O novo ativismo da Corte? A falibilidade humana? Talvez nunca venhamos a saber. Mas o Tribunal acertou ao afirmar que o ato final de extradição cabe, de maneira discricionária, ao presidente da República.
Os ministros Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie se basearam no artigo constitucional 102, I, g, para afirmar que caberia ao STF essa tarefa. Peluso, que foi o relator, achava incoerente que fosse outra a interpretação: "A Suprema Corte se ocupa de um tema para depois dizer não, nós estávamos brincando, se trata de um rematado absurdo". Gilmar, por sua vez, afirmou com voz solene “o Supremo não é órgão de consulta".
Porém, ao contrário do que defenderam e como em outras tantas competências (basta lembrar a representação interventiva do arts. 34, VII e 36, III), a decisão do Tribunal não passa de um ato-condição para exercício de um ato final num processo administrativo, político e judicial complexo. Ela não o esgota.
Quando a Corte julga casos de extradição, apenas declara se a pessoa é ou não extraditável. Em caso afirmativo, cabe ao presidente da República, segundo a conveniência e oportunidade política, promover o ato. Aqui e no resto do mundo.
O ministro Ayres Britto que havia manifestado voto contra o refúgio deu-se conta do disparate: a competência de manter as relações internacionais é do presidente e não do Supremo. Os atos extradicionais, ele disse, "começam e acabam no Executivo". Poderia, pela mesma razão, ter pensado diferente no caso de refúgio.
O presidente da República tem diante de si um problema político. Desagradará o governo italiano e alguns ministros do STF se não conceder a extradição de Battisti. Se resolver enfrentar o duplo descontentamento, encontrará fundamento jurídico, mesmo que dominado por uma pré-compreensão e ideologia, mas que interpretação do direito se isenta dessa contribuição incomôda?
Do ponto de vista constitucional, sua decisão, já dissemos, é discricionária: é ele quem decide livremente se entrega ou não Battisti. Quanto ao direito internacional, poderá basear-se no artigo 3º do tratado de extradição firmado entre o Brasil e a Itália na cidade de Roma em 1989, e ratificado pelo Congresso em 1993.
A alínea f do tratado admite a recusa de extradição "se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados".
Com a palavra (e a responsabilidade) o presidente

A locura dos grandes

Os gregos disseram que “os deuses enlouquecem os homens antes de destruí-los”. Sabemos que a loucura foi vista até o século XIX como uma doença demoníaca. Shakespeare não acreditava que a loucura fosse coisa do demônio, como seus contemporâneos, mas enlouqueceu alguns de seus personagens antes de suas mortes.
O caso mais notório é o de Macbeth e sua esposa. Ambos matam o rei da Escócia, quase como um fato corriqueiro, como se matar fosse um ato como outro qualquer, sem conseqüências subjetivas! Estavam errados.
Macbeth passa a ter visões sobrenaturais, perde a noção da realidade e acaba “mergulhado em sangue”, morrendo em batalha. Lady Macbeth torna-se sonâmbula e termina por suicidar-se. Falo desses loucos poderosos, para compará-los aos loucos atuais: chefes de estado que nos cercam no momento e que podem destruir a paz mundial.
Falo especificamente de três figuras caricatas: o incendiário presidente da República Teocrática do Irã, Ahmadinejad; da figurinha ridícula, o ditador da Coréia do Norte, Kim Jong Il e o aprendiz de Mussolini, defensor perpétuo da Venezuela, Coronel Hugo Chávez.
Dois deles estão enlouquecidos pelo ódio. Ahmadinejad encarna o ódio dos mulçumanos por Israel; Chávez inveja e odeia mortalmente os EUA e Jong Il é o próprio ódio, já que criou a nação mais sombria dos tempos modernos. Shakespeare disse em Hamlet que: “a loucura dos grandes deve ser vigiada”. Deve mesmo!
Graças à Democracia, nenhum desses ditadores dirige os destinos de uma potência. São nações periféricas que almejam uma posição na ordem mundial que só cabe mesmo na cabeça doentia de seus líderes. Jong Il constrói uma bomba atômica, cercado de cozinheiros e prostitutas escandinavas com dois terços de seu povo passando fome.
Ahmadinejad nega o maior crime da história da humanidade, o holocausto judeu, mergulhado na ignorância do Islã, sonhando com uma bomba atômica. Chávez perpetua-se no poder repetindo a lógica de seus heróis dos anos trinta e quarenta, Hitler, Mussolini e Perón, criando milícias e exércitos paralelos, queimando seu vasto petróleo enquanto a Venezuela caminha pra trás.
Essas perigosas figuras ridículas e psicóticas lembram três loucos do passado recente: Gamal Abdel Nasser do Egito, Muammar Kadhafi da Líbia e Sadan Hussein do Iraque. Todos três levaram seu caótico mundo interior para o mundo real. Fizeram muita confusão criando dor e sofrimento para seus povos, mas não conseguiram destruir a ordem mundial.
Os dois primeiros já pagaram o preço, estão sepultados. Kadafi foi obrigado a se recolher a sua insignificância, depois de ser humilhado mundialmente.
Essas figuras são uma prova de que a política é, muitas vezes, uma exteriorização de traumas pessoais. Egocêntricos, esses sujeitos estão sempre se defendendo de alguma coisa, criando inimigos imaginários.
São como os sociopatas, que têm um discurso bastante concatenado, mas dissociado de qualquer sentimento, pois são sexualmente desintegrados e com uma visão distorcida dos homens e do mundo. Claro que existem pequenos loucos; prefeitos, governadores, parlamentares – leiam Foucault - que vivem como farsantes e que nunca são descobertos.
Cabe a todas as vítimas desses monstros, mostrá-los e denunciá-los onde quer que eles estejam. O destino dessas figuras é muito ruim. Chávez, Ahmadinejad e Kim Jong Il não terão um fim diferente dos seus ídolos. Hitler suicidou-se; Mussolini morreu pendurado num gancho como um porco: Saddan Hussein foi enforcado; Milosevic foi envenenado. O bem sempre vence.

Venceremos esses também. Basta que os bons se manifestem!

Postgado por Theófilo Silva, Presidente da Sociedade Shakespeare de Brasília e colaborador da Rádio do Moreno.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Opiniões dos jovens sobre aborto e droga

Jovens militantes ou engajados em causas sociais não revelam posições ditas avançadas no campo moral e mesmo social. É uma das conclusões a que se chega numa pesquisa coordenada por Mary Garcia Castro e Miriam Abramo, e publicada no livro "Quebrando Mitos: Juventude, Participação e Políticas - Perfil, percepções e recomendações dos participantes da 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas para a Juventude".
32,6% dos entrevistados manifestaram-se contra a legalização do aborto e 22,2% se disseram a favor. Para 10,2%, o tema era-lhes indiferente.
A maioria se disse contrária à legalização das drogas, o apoio sendo dado apenas por 26% dos ouvidos. Um terço deles manifestou-se favorável à união homoafetiva e à redução da maioridade penal.
Para os jovens, os problemas mais graves do país seriam as desigualdades sociais (47,4%), o desemprego (44,2%), a violência (36,5%), a pobreza (36,0%), a qualidade da educação (32,5%), a corrupção (27,1%), o narcotráfico (11,3%) e o racismo (10,0%).
Entre as instituições menos confiáveis, foram lembrados os partidos políticos (37,5%), o Congresso Nacional (37,3%) e a polícia (35%). Curiosamente, metade deles tem vínculos partidários. A família foi apontada por 68,3% como a instituição mais confiável.

domingo, 15 de novembro de 2009

Informação e internet

O editorial da Folha de 15/11/2009, intitulado "direito à informação", revela os conflitos entrelaçados entre a liberdade de e o direito à informação e os interesses econômicos, induzidos pelos portais de notícias na internet. O tema é premente e, noves fora eventual nódoa corporativista, a mensagem foi bem passada.
Embora sem autorização expressa, mas, em virtude do interesse do assunto ao debate que está muito além dos bancos escolares, reproduzo o seu teor.
DEMOCRACIAS tradicionais aprenderam a defender-se de duas fontes de poder que ameaçam o direito à informação.Contra a tendência de todo governo de manipular fatos a seu favor, desenvolveram-se mecanismos de controle civil -caso dos veículos de comunicação com independência, financeira e editorial, em relação ao Estado.
Contra o risco de que interesses empresariais cruzados ou monopólios bloqueiem o acesso a certas informações, criaram-se dispositivos para limitar o poder de grupos econômicos na mídia.
Essas salvaguardas tradicionais se veem desafiadas pelo avanço da internet e da convergência tecnológica nas comunicações -paradoxalmente, pois esse mesmo processo abre um campo novo ao jornalismo.
Apesar da revolução tecnológica e do advento de plataformas cooperativas, a produção de conteúdo informativo de interesse público continua, majoritariamente, a cargo de organizações empresariais especializadas. O acesso sistemático a informações exclusivas, relevantes, bem apuradas e editadas sempre implica a atuação de grandes equipes de profissionais dedicados apenas a isso. Essas equipes precisam ser remuneradas -ou o elo se rompe.
Quando um serviço de internet que visa ao lucro toma, sem pagar por isso, informações produzidas por empresas jornalísticas, as edita e as difunde a seu modo, não só fere as leis que resguardam os direitos autorais. Solapa os pilares financeiros que têm sustentado o jornalismo profissional independente.
Quando um país como o Brasil admite um oligopólio irrestrito na banda larga -a via para a qual converge a transmissão de múltiplos conteúdos, como os de TVs, revistas e jornais-, alimenta um Leviatã capaz de bloquear ou dificultar a passagem de dados e atores que não lhe sejam convenientes. A tendência a discriminar concorrentes se acentua no caso brasileiro, pois os mandarins da banda larga são, eles próprios, produtores de algum conteúdo jornalístico.
Quando autoridades se eximem de aplicar a portais de notícias o limite constitucional de 30% de participação de capital estrangeiro, abonam um grave desequilíbrio nas regras de competição. Veículos nacionais, que respeitam a lei, têm de concorrer com conglomerados estrangeiros que acessam fontes colossais e baratas de capital. Tal permissividade ameaça o espírito da norma, comum nas grandes democracias do planeta, de proteger a cultura nacional.
Contra esse triplo assédio, produtores de conteúdo jornalístico e de entretenimento no Brasil começam a protestar.
Exigem a aplicação, na internet, das leis que protegem o direito autoral. Pressionam as autoridades para que, como ocorre nos EUA, regulamentem a banda larga de modo a impedir as práticas discriminatórias e ampliar a competição. Requerem ao Ministério Público ação decisiva para que empresas produtoras de jornalismo e entretenimento na internet se ajustem à exigência, expressa no artigo 222 da Carta, de que 70% do controle do capital esteja com brasileiros.

O Senador Zumbi

Aqueles que viram o caso do Senador Expedito Júnior, de Rondônia como uma querela entre o Senado e o Supremo Tribunal Federal estão enganados.
A indignação de grande parte da Imprensa pelo fato da mesa do Senado não ter acatado a decisão do TSE e, por último, a sentença do STF, que cassava o mandato do senador, é um equívoco.
Expedito permaneceu quase um ano como um zumbi dentro do Congresso Nacional, mas gozando de todas as prerrogativas e benesses a que tem direito um Senador da República. Por que um zumbi? Porque se tornou um morto vivo no Senado.
Saibam que esse tipo de Parlamentar, o zumbi, é o sujeito mais solicitado, mais procurado e mais prestigiado pelos seus colegas. Não deveria ser o contrário? Não. Explico. Vou me servir de Hamlet para apoiar minha observação acima.
O trecho a seguir é dito pelo príncipe dinamarquês a dois sujeitos que se dizem seus amigos, mas que foram enviados pelo rei para espioná-lo. Diz Hamlet: “mas semelhantes servidores prestam ao rei o melhor serviço, no fim. Ele os conserva, como os macacos fazem com as nozes, num canto das bochechas; ali são primeiro introduzidos, para serem engolidos mais tarde e quando necessita o que colheu, só tem que espremê-lo...”
Vamos substituir a palavra rei por senado, aí nosso raciocínio fica mais fácil. É isso que Expedito Júnior tornou-se, uma noz ou uma ameixa no canto das bochechas de seus colegas. Expedito foi espremido pelos senadores, pois se tornou refém de seus crimes eleitorais. Restou um bagaço, que na hora certa foi cuspido!
Cassado pelo TSE, daí pra frente só restou a Expedito uma coisa: apelar aos seus pares para prorrogar ao máximo sua saída. E ele encontrou todo o apoio que precisou, todos foram solidários com ele. Por quê? Por uma única razão; ele não pode mais dizer não a ninguém. Tudo que lhe foi pedido, ele fez.
Assinou todos os projetos de lei que lhe pediram; votou Sim em qualquer parecer que seus pares solicitaram; em resumo, fez tudo que os senadores disseram. Sua liberdade acabou, seu poder de decisão não mais existe. Sua vontade agora tem dono e é somente daqueles que podem expulsá-lo ou prolongarem sua estada como Senador da República.
Foi isso que aconteceu. Expedito ficou quase um ano dentro do senado dizendo amém aos seus colegas, falando fino e dando bom dia até ao mais humilde servidor da Casa. Que importa que o TSE ou STF reclamem depois de cutucados pela Imprensa!? Ter um senador servil por mais de um ano é algo que não aparece todo dia.
Se bem que há umas duas dúzias deles bastante enrolados. Na política, o sujeito desgraçado é o companheiro mais desejado. Como seria possível pedir algo a um parlamentar poderoso, inatacável! Para a maioria, esse tipo não interessa, pois esse sujeito terá, com certeza, um controle sobre os menos aptos.
Os políticos inaptos, mentecaptos ou desgraçados ameaçados por seus abusos e com processos nas costas são os mais solicitados, pois esses nunca dirão não a um colega. Eles sempre dizem amém. A lógica da política é essa. Seria um pouco diferente num país onde as leis são respeitadas, onde o Judiciário funciona.
Mas, no Brasil, país em que os políticos estão “se lixando” para as leis que eles mesmos fizeram, a prática que predomina é essa aí. O que ocorreu entre Senado e STF foi mera encenação. A peça mesmo se desenrolou atrás das cortinas.
Postado por Theófilo Slva, Presidente da sociedade Shakespeare de Brasília e Colaborador da Rádio do Moreno.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Canotilho: Supremo ativismo

A entrevista dada por Canotilho ao repórter Juliano Basile do "Valor Econômico", publicada em 04/11/2009, tem gerado grande repercussão, inclusive porque esteve presente no intertexto do voto de Marco Aurélio no caso Battisti.
Segundo a reportagem, Canotilho teria dito que o STF tem promovido um "ativismo judicial exagerado que não é compreendido na Europa". A culpa seria, para o bem ou para o mal, da imobilidade da classe política: "Meus amigos do Supremo me disseram que, quando as políticas não se movem, eles fazem as políticas em acordo com a Constituição".
A invasão dos Poderes Legislativo e Executivo se daria inclusive na definição de políticas públicas: "Perguntei ao Gilmar se era mesmo o tribunal que pegava um helicóptero e ia ver as terras dos índios e definir os limites. De fato, o STF tenta captar a realidade".
E mais: "O STF faz coisas que nenhum tribunal constitucional faz". Exemplos? Ele os deu: as súmulas vinculantes: "Eu compreendo a tentativa de dar alguma ordem, mas o problema é que as súmulas vinculantes se transformam em direito constitucional enquanto não são revogadas pelo próprio tribunal. Elas não são apenas legislação. São verdadeiras normas constitucionais."
Há, entretanto, um lado positivo nesse avanço do Tribunal: ele transforma suas decisões "numa vigilância aos outros poderes de que não podem ficar parados". E num alerta: se não fizer, eu faço: "Esse tribunal procura respostas para problemas que não se colocam na França, ou na Alemanha, e cuja solução não é fácil."
Além do mais, ele tem sido uma espécie de expressão da insatisfação popular. No caso da infidelidade partidária, lembra, dificilmente os parlamentares iriam punir os seus pares por mudarem de partido. "Neste aspecto, o tribunal está adotando uma posição de alerta, chamando a atenção dos outros poderes para que tomem posição".
Aconteceu a mesma coisa com o caso das algemas: "A partir da visão de que as algemas podem ser humilhantes para a pessoa humana se buscou a igualdade para todo o cidadão e essa mensagem em termos da dignidade das pessoas está correta."
No balanço de prós e contras, o mestre lusitano revelou descrença com o resultado prático do ativismo judicial, embora entenda o seu papel de estímulo a mudanças: "a minha posição é a de que não são os juízes que fazem a revolução. Nunca o fizeram. Só que eles podem pressionar os outros poderes políticos dessa forma. E eu creio que é essa a posição do STF."

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Gritos durante o sexo dão cadeia no Reino Unido

A britânica Caroline Cartwright, de 48 anos, foi condenada por um tribunal de Newcastle (Newcastle Crown Court) a pagar multa de £515 mais custas processuais de £200 por não controlar o volume de seus ruídos durante o sexo.
Não valeram os argumentos de que os barulhos do amor faziam parte de sua identidade e estilo de vida, estando, portanto, amparados pelo artigo 8 da Lei de Direitos Humanos que lhe assegura o direito ao "respeito à vida privada e familiar".
A condenação apenas reiterou decisão tomada em primeira instância que ordenara o fim da algazarra sexual. Como a tentação falou mais alto do que a voz do juiz e os gritos voltaram, determinou-se a prisão de Caroline por desobediência.
De acordo com ela, não havia como controlar os sons que fazia durante o sexo: "Eu não entendia por que as pessoas me pediam para ficar mais quieta, pois para mim aquilo era normal.... Até tentei amenizar a situação, fazendo sexo pela manhã e não à noite, pois assim o barulho não acordaria ninguém".
A Corte, em grau de apelação, baseou-se nas informações da vizinhança de que as relações sexuais de Caroline com seu marido, Steve Cartwright, eram "anormais" e "histéricas", entre gritos e grunidos insistentes. De acordo com os relatos constantes dos autos, os jogos de amor começavam em torno da meia-noite e prolongavam-se até três horas da manhã, noite após noite.
Entre incomodados e, quem sabe, invejosos, os vizinhos pediram ao governo que instalasse equipamentos especializados para captação dos níveis do som produzido. Os registros médios de ruído ficaram entre 30 e 40 decibéis, com seu um pico chegando a 47 decibéis. Esses números convenceram o juiz de que o amor dos Cartwrights perturbava a tranquilidade e paz públicas.
Segundo a Corte, o ruído era especialmente perturbador pela sua persistência: "não se trata de um único episódio, pois se prolonga por várias horas a cada vez". E era ainda mais agravado "pela frequência do episódio, quase todas as noites". Não havia direito humano que protegesse o que reputou excessos do prazer.

O minivestido de Geisy

Os direitos fundamentais se desenvolveram no século XVIII e XIX como uma resistência ao poder invasivo do Estado na vida privada. Se cento e alguns anos depois, a revolução bolchevique proclamava aos ventos “todo poder para os sovietes”, nos setecentos e oitocentos, os gritos de ordem eram “todo poder para os indivíduos”.
Poder político, para compor os órgãos do Estado; poder social, para buscar o projeto de vida que lhes apetecesse; poder econômico, para se enriquecer; e poder jurídico, para impor todos os demais poderes nos quadros institucionais do Estado. O Estado era o inimigo a ser combatido. Todavia, contra o próprio Estado, era o Estado que haveria de proteger aqueles poderes, especialmente por meio dos direitos do homem e do cidadão, nome primeiro do que entendemos hoje como direitos fundamentais.
Curiosa contradição que se explica pela fratura no conceito unitário de soberania estatal: o Estado eram muitos. Ou, na linguagem da teoria política e do direito da época, as funções estatais eram diversas. A imagem que ocorria às mentes modernas de Estado-inimigo era, sobretudo, a do Poder Executivo. Os direitos fundamentais (ou do homem) deveriam ser protegidos contra o Executivo (lugar especial do Estado-Polícia) pelo Estado-Legislativo, máxima expressão da nova soberania indivisível: a popular.
A lei era a maior salvaguarda da liberdade. Não durou muito essa crença, pois o Estado-legislador também se mostrou perigoso aos poderes políticos, econômicos e sociais. O poder jurídico migrou sobretudo para a gravidade do Estado-Judiciário. Seriam os juízes os grandes protetores dos direitos. Crença que perdura até os nossos dias.
Quando descobrirmos que os juízes também representam ameaça aos poderes, para onde recorreremos? Muitos dizem que olharemos, enfim, para a sociedade: “todo poder para a sociedade”. Mas qual sociedade? Ela mesma é cenário de opressão e injustiça. Grupos sociais poderosos são capazes de impor unilateralmente a sua vontade, como uma espécie de “poder” ou “direito potestativo”, contra todos nós. Tanto é assim que, nos debates constitucionais, já falamos em “eficácia horizontal” dos direitos fundamentais, a significar nada mais nada menos do que a aplicação daqueles direitos, nascidos como resistência às arbitrariedades do Estado, contra os agentes privados.
Entretanto, essa nova expressão dos direitos (nova em termos, pois apareceu com as primeiras manfestações dos direitos trabalhistas) ainda causa arrepios em muita gente: Como podemos falar de direitos fundamentais em face de “iguais” (daí o adjetivo “horizontal”) sem desvirtuarmos o seu significado original? Corremos o risco, dizem, de “constitucionalização” de tudo. Explica-se: Para certa corrente da eficácia horizontal, os direitos se aplicam às relações privadas diretamente.
O juiz não precisa olhar para as regras do Código Civil ou Processual para resolver um conflito entre particulares. Vale-se dos direitos fundamentais expressos ou implícitos na Constituição diretamente. Notemos que, em vista desse quadro, o legislador se torna cada vez mais supérfluo e o juiz, cada vez mais o centro do sistema jurídico e político. Se não precisamos mais dos Códigos e leis, para que o Legislativo?
É claro que esse é um argumento um tanto quanto terrorista ou caricato, mas ele traduz o problema de legitimidade que a tese da eficácia horizontal transporta. Significa dizer que os direitos fundamentais precisarão sempre do legislador para serem aplicados às relações entre particulares?
Não. Os direitos fundamentais devem ser reivindicados sempre que houver situações de injustiça e de arbítrio, decorrentes de grave assimetria de poder público ou privado. Em regra, estão traduzidos em leis que, por si apenas, podem resolver o problema. Em muitos casos, no entanto, as leis não existem ou não existem com suficiência bastante para solucionar plenamente o quadro de injustiça. Os direitos estarão aí como salvaguardas.
Deu no noticiário destes dias que a estudante de Turismo Geisy Arruda, de 20 anos, foi hostilizada por quase 700 colegas. O motivo? Ela ter usado um vestido muito curto dentro do campus da Universidade em que era matriculada. Depois de uma sindicância interna, com poucos elementos de garantia à defesa da estudante, chegou-se à conclusão de que ela havia provocado os colegas, o que, na versão da Universidade, “resultou numa reação coletiva de defesa do ambiente escolar.”
Como a garota sempre teve uma postura incompatível com o espaço universitário, desrespeitando “a dignidade acadêmica e a moralidade”, por adotar “atitudes insinuantes” com o uso frequente de roupas curtas e decotes generosos, os doutos líderes da Casa do Saber resolveram expulsá-la de seus quadros.
Deixemos de lado vários aspectos envolvidos na questão como a coerência pedagógica, o caráter de prestação de serviços públicos educacionais e os rigores éticos e estéticos da Universidade, a reminiscência dos costumes vitorianos e da inquisição ou da conduta violenta do nazifacismo contra as diferenças, para nos centrarmos em seu aspecto jurídico apenas, como foi a alternativa adotada pela Universidade.
Claramente, o equacionamento das normas constitucionais em confronto não foi o mais adequado. A autonomia universitária ou argumentos de moralidade acadêmica não podem ser usados para violentar os direitos fundamentais.
A aluna ou ex-aluna pode agora valer-se das regras da responsabilidade civil contra o vexame extra por que passou, pela discriminação e falta de justificativas adequadas para a sua expulsão. Mas pode ir além, requerer a sua readmissão por ter a Universidade violado diversos direitos fundamentais seus, desde o devido processo legal como a vedação à discriminação, a intimidade e a identidade pessoal, sem falar que a sua dignidade foi, digamos, arranhada não apenas pelo mérito da decisão, mas pela forma e pelos seus fundamentos.
Eis um exemplo atual e nítido de que a eficácia indireta (via normas legais e suas expressões abertas) e direta (das normas constitucionais) dos direitos fundamentais nem sempre se excluem, antes se complementam. Exemplo também de que o entendimento dos direitos fundamentais não pode ficar estagnado em suas primeiras expressões históricas. São direitos que refletem as necessidades novas e velhas de uma sociedade hipercomplexa, sendo, por isso mesmo, postulações jurídicas e políticas, com e contra a sociedade, com e contra o Estado.
A história não acabou. Sabe bem Geisy.

domingo, 8 de novembro de 2009

Democracia: 100 meias palavras

Es tan corto el amor,
y tan largo el olvido.
(Pablo Neruda)
A democracia é a melhor forma e regime de governo? A pergunta pode levar desconfiança aos espíritos desavisados, aos dogmáticos e aos que sofreram na carne os ferros da alternativa autoritária. Não há dúvidas de que, feito Churchill, se possa dizer que ela é a pior, excetuadas todas as outras já experimentadas pelas sociedades humanas.
Mas é preciso que desmontemos algumas afirmações sobre a dama do demos que se colocam hoje acima de qualquer juízo de validade: a democracia é o governo do povo. Não é. O povo é um pretexto de legitimação, um apelo retórico ou um corpo político, usando aqui o sentido foucaultiano, à mercê do poder de poucos.
Ele vai às urnas quase como um autômato programado por informações midiáticas devidamente filtradas. Sua liberdade de consciência é quase uma quimera dessas que o direito constrói em favor da política. A democracia, essa que nos chega à porta e à tevê, não é de povo, povo mesmo, é de poucos.
Democracia também não é o governo para o povo. Os benefícios que ele, povo, aufere são poucos e, em que pese o discurso oficial, são uma espécie de efeito colateral das chamadas políticas de bem comum que mais refletem projetos particulares de segmentos sociais hegemônicos. A democracia, essa das formas e dos discursos, é para poucos; não para o povo, povo mesmo.
Tampouco a democracia é o governo pelo povo. Povo, como entendemos em nossos dias, foi uma invenção do liberalismo. Uma referência política e simbólica mais que uma existência sociológica. Primeiro: o povo eram todos os que se submetiam à jurisdição de um Estado nação; segundo: servia de fonte virtual dos poderes de Estado e de destinatários reais de suas ordens, tudo ao mesmo tempo.
No começo, povo, povo mesmo sequer possuía o status de cidadão, a menos que tivesse patrimônio suficiente, mas aí deixava de ser povo, povo mesmo. Depois que cidadão virou quase todo mundo com o sufrágio universal, arquitetou-se um processo de eleições que continua, na prática, a excluir o povo sem posses, aquele povo, povo mesmo. A democracia, essa dos balcões e mercados, é pelos poucos, das cortes às bufarias de gravatas, noves fora povo, povo mesmo.
A democracia é senhora de pouca idade e, assim como a estética, foi mais preterida do que desejada. Os Antigos e Medievais acreditavam que a melhor forma de governo era a monarquia. Os Modernos preferiram a democracia aristocrática, essa da porta e da tevê, das formas e dos discursos, essa dos balcões e mercados, há duzentos e poucos anos, embora o adjetivo tenha ficado apenas subentendido. Mesmo assim caiu nas seduções pelo governo da força, da oligarquia sem democracia, por diversas vezes.
Governo de força ou simulacros que se perpetuam em diversos cantos do planeta mesmo hoje. A democracia se diz universal, mas enfrenta sérias resistências naqueles países de tradições milenares firmadas na figura da autoridade, mais do que da pulverização de idiossincrasias e de egos. O que não quer dizer que nas tais sociedades democráticas não tenha ela também seus problemas. As exceções fáticas diárias (exclusões do povo, povo mesmo) e jurídicas (os cismas autoritários) estão aí à prova. E há razões para esses tormentos.
Economicamente, ela é muito dispendiosa e, para os setores de dominação, cujos nomes e qualidades variaram de tempo para tempo, trabalhosa. Não podem mandar como antes, fazendo referência ao reino de sobrenatural, pois têm que, a cada dia, renovar os dogmas e a fé do povo, seguindo a um processo jurídico e político, ainda que manipulável, mas a um processo, cujas regras estipulam algumas limitações ao mando. Está aí a defesa dessa democracia das formas e dos negócios: exige um mínimo de atenção às normas. Melhor que nada.
Muitos dizem que é pouco, pois os meios de comunicações oligopolizados, a dependência do poder econômico desses meios, o culto ao individualismo estético e consumista, a cultura da riqueza material, o profissionalismo personalista dos políticos, as eleições viciadas, tudo acrescido e misturado à pimenta do desejo humano pelo poder jamais darão outra roupagem e corpo à vida política. Seja qual for o nome, a ideia e o conceito que tiverem.
Um otimista de teima acredita que toda essa análise é datada, seja para o modelo de democracia elitista ou aristocrática que vivemos, de povo sem povo mesmo, seja para a falta de inventividade de novas formas de coexistência humana sem as marcas da subjugação de muitos a alguns.
Quando se olha para trás e enxergam-se nomes, entre sanguinários e tiranos, como Qin Shi Huang (259 a.C-210 a.C), Calígula (12-41), Ivan, o Terrível (1530-1584), Leopoldo II (1835-1909), Josef Stalin (1878-1953), Adolf Hitler (1889-1945) e Pol Pot (1928-1998), somos tentados a enxergar um progresso da humanidade, a misturar o racionalismo kantiano ao pragmatismo de Churchill, pois as piores espécies de governantes e de governos recentes foram, em geral, bem menos perversos do que todos aqueles em suas épocas como Mugabe, a sobrevivência da exceção, é bem pior do que Berlusconi, a exceção da sobrevivência, hoje.
Se há, então, progresso, é porque se torna possível sonhar. Democracia não precisa ser esse teatro de marionetes, nem o governo de poucos, por poucos e para poucos, em nome simbólico do povo. A história, na verdade, ainda nem começou direito para ela. E há um povo que até hoje só vive na palavra da política ou na miséria do domínio, podendo ganhar as formas e conteúdos do real um dia, qualquer hora, agora mesmo. Mas que povo? Esse povo (povo mesmo) de palavras.
Sonhar faz bem, agir mais ainda.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Os Aposentados e a Perna de Pau

Marina, uma jovem honrada, vendida para um bordel como prostituta, chama Boult, o encarregado do prostíbulo, de “porteiro amaldiçoado” e “limpador de latrinas”.
Indignado com Marina, Boult dá uma dura resposta: “queres que vá para a guerra? Onde um homem é obrigado a servir sete anos, exposto a perder uma perna, para depois não ter dinheiro bastante, no fim de tudo, para comprar uma perna de pau”?
A cena se passa em Péricles, Príncipe de Tyro, uma das Peças Finais de Shakespeare. A perna de pau de que fala Boult me inspirou a escrever sobre o drama dos aposentados do Brasil, esses cidadãos esquecidos e espoliados.
Falo daquelas pessoas que trabalharam trinta e cinco anos e, no crepúsculo da vida têm direito a um salário mágico, misterioso, porque, curiosamente, vai diminuindo ano a ano. Acontece algo parecido com o que diz Boult: “no fim de tudo”, o salário não dá para comprar uma perna de pau.
Vamos substituir perna de pau por muleta, remédios ou medicamentos. Isso, o salário do aposentado não compra sequer aquelas caixinhas de remédio com nome em inglês contendo uma tarja de advertência.
Hoje todo “velhinho” ou “velhinha” – só uso essa palavra para dá ênfase ao texto – é obrigado a comprar um bocado delas todos os meses. E para o resto da vida. Bom, alguém poderia dizer: é natural, eles estão se cuidando para prolongar a vida, prevenindo-se de doenças futuras! Correto, porém, não é tão simples assim.
O Estado também está doente, pois sofre da memória não se lembra daqueles que, com muito trabalho, suor, e sofrimento ajudaram, bem ou mal, a construir o país que temos. O abandono dos mais velhos é um problema antigo da cultura ocidental. Os idosos são tratados com desprezo.
O tratamento é desrespeitoso e egoísta; somos iguais aos muçulmanos no seu trato com as mulheres. E não estou exagerando. A atenção aos mais velhos no Japão e na China e mesmo entre os islâmicos é semelhante ao que se dá às crianças no ocidente: atenção e carinho, sempre.
Entre nós, o problema está nas próprias famílias; dos filhos que abandonam seus pais em lares para idosos e somem para constituir outra família. Essa lógica perversa tem que mudar, mesmo que leve várias gerações.
Infelizmente, os Governos ajudam a manter essa situação, diminuindo periodicamente os proventos desses que não podem se defender como deveriam. O nome de Boult é simbólico, significa algo como, “impotente”, Shakespeare não pôs esse nome por acaso.
O aposentado no Brasil é um impotente, é um Boult. As milhares de entidades que dizem lutar pelos interesses da classe – têm até um partido político com a palavra aposentado – pouco conseguem fazer.
Dia a dia, vemos nossos pais e nossos avós serem humilhados em filas de bancos e hospitais. Vaga de estacionamento pra quem tem mais de 60 anos é charlatanismo político. O que os mais velhos precisam é que o Estado lhes pague um salário digno.
Pelo menos, aquele salário que o aposentado tinha no seu último mês de trabalho e que foi comido ano após ano pela política nefasta dos governos que desprezam aqueles que construíram o passado. Uma nação que despreza o passado não tem futuro.
Postado por Theófilo Silva, Presidente da Sociedade Shakespeare de Brasília e colaborador da Rádio do Moreno.

O problema das drogas

O tema da descriminalização total ou parcial das drogas divide opiniões. Há, sem dúvidas, uma tendência de recrudescimento das políticas de combate ao tráfico, associada a políticas públicas de recuperação dos viciados. Abandonou-se, embora não em todo e para todo mundo, a dupla punição: de quem vende e de quem usa.
Uma terceira via aposta que a melhor alternativa para enfrentar o problema é mesmo legalizar as drogas. Justifica-se: a política criminal repressiva nem de longe produziu os resultados esperados. Ao contrário, o consumo cresceu, a corrupção se disseminou e as organizações criminosas estão cada vez mais poderosas.
Fora os defensores do Estado de direito penal, os estudiosos acreditam que não há uma única solução para todos os lugares, sendo necessário avaliar o contexto político e cultural de cada um deles, as disponibilidades reais de recursos da saúde pública para enfrentar o problema, além da viabilidade de um controle estatal muito rigoroso.
Neste domingo, 1/11/2009, a FSP publicou uma entrevista com Klaus von Lampe. Ele é professor-assistente de justiça criminal no John Jay College, editor dos jornais Trends in Organized Crime, Crime, Law and Social Change e Criminal Justice Abstracts e coautor de diversos livros sobre a matéria. Alguns trechos da conversa valem a leitura.
Sobre a legalização das drogas:
Em primeiro lugar, não acho, por várias razões, que uma legalização total de todas as drogas seja praticável. O que é mais viável é a descriminalização, juntamente com um alto nível de regulação. Em segundo lugar, o número de consumidores, o impacto negativo sobre eles, os custos sociais do uso de drogas e o volume do tráfico poderiam ser reduzidos significativamente fornecendo o acesso legal às drogas atualmente ilegais. Todas as pesquisas sobre os efeitos da oferta controlada de drogas aos consumidores -como a heroína dada aos viciados em heroína- indicam que isso apresenta mais vantagens que desvantagens.
Sobre as prisões como espaço do crime organizado:
Há diversos exemplos, historicamente, de organizações criminosas (e, de forma geral, de redes criminosas) que estão sendo formadas dentro das prisões. Isso não é uma surpresa, a prisão é um lugar de encontro para pessoas que pensam de modo parecido. O fenômeno das gangues nas prisões parece ter relação, em parte, com superlotação e conflitos entre os detentos. A solução óbvia seria reduzir a superlotação nas prisões, procurando alternativas ao aprisionamento e/ou expandindo as capacidades do sistema carcerário.
Sobre o funcionamento do crime organizado e suas ligações com as elites:
Há diferentes manifestações do crime organizado. Na maior parte da Europa Ocidental, o crime organizado está ligado ao fornecimento de mercadorias e serviços ilícitos, e atividades como fraude, roubo, saque e extorsão. Em algumas regiões da Europa e dos EUA, esses crimes ocorrem no contexto de um "governo do submundo", isto é, estruturas mais ou menos formalizadas que controlam e regulam atividades ilegais. Normalmente, nesses casos, os criminosos são forçados a compartilhar seus lucros ilegais com os grupos que se especializam no uso da violência e podem receber, em retorno, benefícios como proteção. Às vezes, há uma sobreposição entre empresas ilegais e o "governo do submundo" -por exemplo, quando membros de uma família da máfia na Sicília (Cosa Nostra) estão envolvidos no tráfico de drogas. Às vezes, os grupos começam como empresas ilegais e procuram ganhar o controle sobre um território. Eles estabelecem então um monopólio ou licenciam as atividades de outros criminosos. Por exemplo, um grupo do tráfico permite a um número limitado de indivíduos vender drogas em um determinado território. Em algumas regiões da Europa -e, historicamente, também nos EUA- há uma aliança entre o mundo e o submundo. Os criminosos colaboram com políticos e homens de negócios. Tais alianças emergem quando os governos e a sociedade civil são fracos. Os interesses particulares e políticos são perseguidos, mesmo violando a ordem legal e constitucional existente. Criminosos geralmente prestam serviços às elites sociais. Quando essas alianças se rompem, como no caso do cartel de Medellín [na Colômbia] e da máfia siciliana no começo dos anos 90, as elites políticas e dos negócios prevalecem no conflito militar subsequente, porque as elites sociais podem fazer todo o uso de recursos estatais (incluindo a polícia e as Forças Armadas).
Em "A guerra às drogas fracassou", Luiz Eduardo Soares faz uma defesa pragmática e ideológica da legalização das drogas. Sua tese pragmática: "Como os EUA demonstraram ao vencer a Guerra Fria, nenhuma força detém o mercado. Pode-se apenas submetê-lo a regulamentações. É irônico que esse mesmo país defenda a erradicação das drogas ilícitas.Eis o resultado do proibicionismo: crescem o tráfico, a corrupção e o consumo".
Sua tese ideológica: " Não considero legítimo que o Estado intervenha na liberdade individual e reprima o uso privado de substâncias -álcool, tabaco ou maconha."
Para ele, o tráfico deveria passar a ser legal e regulado. Embora considere que a medida não resolva o problema, pelo menos, o situa no campo em que pode ser enfrentado com mais racionalidade e menos injustiça, como diz. Injustiça, por exemplo, que se verifica hoje na classificação que se faz entre traficante e usuário. Não é necessariamente a quantidade de droga encontrada, mas as condições sociais que mais servem de critérios para definir em qual lado da fronteira se encontra quem foi flagrado na posse dela.
Arremata: "Acho que o efeito da legalização não seria desprezível porque: 1) sem drogas, seria mais difícil financiar as armas; 2) mudaria a dinâmica de recrutamento para o crime, que perderia vigor, pois outros crimes envolvem outras modalidades organizativas e outras linguagens simbólicas, muito menos sedutoras e acessíveis aos pré-adolescentes; 3) entraria em colapso a maldição do crack e seus efeitos violentos; 4) se esgotaria a principal fonte de corrupção; 5) finalmente, como pesquisas demonstram, em cada processo de migração, o crime perderia força e capacidade de reprodução".